No Domingo
19 de Outubro, por volta das 20hrs, enquanto conversava pelo Whatsapp com minha
irmã é que veio a revelação: eu sempre fui obcecado pela Rainha.
A estrada da Rainha é uma ligação que existe entre Balneário Camboriú e a praia dos amores. Ela corta o morro do Careca e tem por característica ser extremamente íngreme, porém curta (500m), em sua parede sul e um pouco menos íngreme na face norte. Ela começa com uma inclinação de 3%, depois de 100m a inclinação é de 10%, com 150m ela pula para 20%, com 250m ela ameniza um pouco em 13%, volta a ficar muito íngreme 33% em torno dos 350m, então se mantém em 16% até quase o cume, quando aplana. É extraordinário encarar uma montanha assim, mesmo sendo curta. Para quem não está acostumado com inclinações, a subida do zoológico em Cascavel tem em torno de 12% na sua inclinação máxima.
O fascínio
dessa estrada remete aos meus tempos pré-triathlon, quando achava espetacular
encarar sua subida com um carro 1.0 e rolava aquele medo de não conseguir
subi-la em dia de chuva. Exige muito do motor. Os corredores conhecem essa estrada, pois faz
parte da meia maratona de Balneário Camboriú e todo mundo sabe que levar uma
magrela lá pra cima, sem empurrar, é um trabalho gigantesco. Um dia estava de
férias em Balneário, e de mountain bike resolvi encarar a brincadeira. Coloquei
uma marcha confortável e comecei a brincadeira. Fui relativamente bem, até a
certa altura meu manete soltou e eu quase cai da bike e tive que empurrar o
resto do percurso. Quando cheguei lá em cima, encontrei um casal cujo rapaz estava usando uma camiseta de triathlon e me disse: é dura essa subida né? Você
sabia que tem uma prova de triathlon onde o ciclismo passa aqui, duas vezes?
Uau! Duas vezes. Foi plantada a sementinha...
Todo mundo
que treina comigo sabe que não sou um grande ciclista. Sou um nadador e
corredor mediano e um ciclista medíocre. Sou um entusiasta do esporte e muito
disciplinado, mas meu ciclismo é ridículo. Talvez seja culpa da minha bike
nova, só que não, mentira, eu que sou perna mole mesmo. Apesar disso,
resolvi que em 2014 eu iria encarar o GP Summer de Triathlon Camboriú, com dose
dupla de subida da rainha. Feita a inscrição, reservado hotel, na quinta feira
pulei na caranga e desembestei para a praia preferida dos cascavelenses. Tempo
chuvoso, oscilando entre 20 e 24 graus, muito diferente dos 39 graus que fazia
em Cascavel. Na sexta fiz um treino de corrida, de boa, só para reconhecer o
percurso da corrida. No sábado, véspera da prova pela manhã, resolvi
experimentar a rainha. Três motivos. Primeiramente para ver se estava tudo
certo com a bike depois da viagem, segundo para avaliar qual relação que
utilizaria na subida. Terceiro para subir de uma vez e quebrar o gelo. Deu tudo
certo.
Ás 17hrs,
congresso técnico. Sabe que gostei muito da rapaziada. O foco principal do
congresso eram orientações sobre o ciclismo. O foco era a Rainha. Primeiro
porque o sentido da subida e descida mudaram, antigamente subia-se e descia-se
pela contramão, o que facilitava a curva ao final da parte mais íngreme da
decida. Agora, como a estrada está duplicada, sobe e desce pela mão,
porém o final da descida é numa rotatória, o que significa dificuldades. Todo
mundo sabe que bicicleta speed ou de triathlon são difíceis de parar, então a
frenagem deveria começar bem antes do final dela. O palestrante era muito
engraçado, orientando descer a coroa antes do começo da subida e que se fosse
ver que não ia dar, o ideal era desmontar da bicicleta antes de entrar em
crise, para não correr o risco de cair. “Sem problemas, eu vim para subir
forte, em linha reta”, pensava. Por fim, orientou sobre a corrida e sorteou um
garmin 310xt, que obviamente não ganhei.
Domingo,
6:30 da manhã, horário brasileiro de verão, e eu já me encaminhava para a área
de transição. Para quem não está acostumado com triathlon, a quantidade de
coisa que temos que levar para a área de transição é assustadora. O check list
não tem fim. Mesmo para prova curta. Fui de top e bermuda, vesti a roupa de
neoprene (liberada para essa prova), touca, óculos e fui me aquecer na água.
Deu um frio na barriga de pensar na rainha. Nesse momento deu vontade de
desistir. Não foi fraqueza não, foi um medo estranho, inexplicável. Talvez porque fosse muito
importante para mim! Não sei. Nem no Iron de Foz eu senti isso. Se o pessoal da WB
Triathlon estivesse comigo, eu já teria tomado um tapão na orelha e teria me
recomposto mais rapidamente. Quando me dei conta, o narrador anunciava 5
minutos para a largada e não dava tempo de pensar mais nada. Como um cara
amarrado a um bungee jump que está com medo de pular e alguém empurra. Mais ou
menos assim que me senti quando soou a sirene de largada.
A natação
foi muito tranquila, a primeira bóia chegou tão rapidamente que parecia que estava na orla. O contorno da segunda bóia foi tranquila também, só que eu fiz muito
aberta e perdi um pouco a referência do pórtico, por isso perdi um pouco de
tempo. Nada demais, saí bem rápido da água. Olhei para trás e vi que estava numa posição intermediária, fiquei satisfeito. Fiz uma transição um pouco demorada devido
à retirada da roupa, vesti o capacete, sapatilha e saí com minha bike em direção à Rainha.
O ciclismo
na orla é bem complicado porque tem muitos desníveis na avenida Atlântica
devido à lombadas. Mantive uma média de 30 km/h, pois queria poupar para as
subidas. E depois de poucos minutos já pude vislumbrar a famigerada,
encantadora e hipnótica subida da Rainha. Não posso empurrar, não posso
empurrar... era só o que pensava enquanto reduzia para a catraca 26, já
pensando que teria que usar a 28. E a subida começou...
Primeira
coisa, o que me parecia inacreditável e inimaginável, foi ver cara de Cervelo
P3, Specialized Venge, Scott, empurrando suas bikes montanha acima. E eu seguia
firme. Começaram os ziguezagues. Dois caras quase caíram, pois estavam tão
lentos subindo e de cabeça tão baixa que não se viram, trombaram mas não
caíram. E eu seguia firme. Linha reta. Quando a montanha chegou nos 30% comecei
a pedalar em pé. Em 4 minutos atingi a meta de montanha e veio uma imensa
vontade de vomitar. Que negócio absurdo! Desci a montanha e contornei o retorno
na praia dos amores. A subida pelo outro lado não assusta tanto, porque ela
começa insidiosa, como a maioria das subidas que a gente treina aqui na estrada
do Espigão. Fica íngreme no final, mas é menos sofrida. Contornei a primeira
volta e na segunda perna acelerei mais, aí percebi que tinha feito pouca força
na primeira volta. Poupei demais. Cheguei na Rainha novamente e exorcizei todos
os fantasmas por trás da Rainha. Subi mais uma vez em linha reta e dessa vez
fiz mais força que na primeira vez. Não foi fácil, não foi moleza, mas o
trabalho foi feito. Aqui vale um adendo, confiram bem os freios da bike antes
dessa prova, pois na segunda descida eu quase não segurei a bike e quase
marquei o couro na rotatória ao final da descida. De qualquer forma, tudo feito,
hora de entregar a bike e partir para a corrida.
Depois de uma
transição rápida ao melhor estilo Fernando Marucci, só que não, eu fui para a
corrida. No GP, a corrida são 3 voltas pela orla de Balneário, um circuito
absurdamente plano e rápido. Ao final da primeira volta comecei a sentir uma
dor no calcanhar esquerdo, aí lembrei que havia esquecido da vaselina no tênis.
Caramba. Eu nunca aprendo. Quem faz triathlon sabe que são tantos detalhes que
há sempre a possibilidade desses esquecimentos. No final da segunda volta, a
moral deu uma baixada, eu já pensando na porcaria que estaria meu calcanhar.
Mas na terceira volta veio aquela energia que a gente nunca sabe de onde vem e
acelerei para terminar a prova com minha melhor corrida em uma prova de
triathlon. Feliz da vida. Ainda fui presenteado pelo sorriso do meu bebê
próximo à linha de chegada.
Após a
chegada, o narrador que era o organizador da prova, me recebeu com um sorriso e
um comprimento muito bacana. Recebi a medalha e fui para a dispersão. Tirei o tênis
e visualizei o estrago. Não importava mais. Triathlon é isso. Endorfina,
sofrimento e chegada. Não há nada que me deixe mais feliz do que ser capaz de
nadar o quanto e como eu quiser, pedalar e correr a meu bel prazer. Voltei
descalço para o hotel com sorriso no rosto e com a sensação de que não há
rainhas ou montanhas que possam amordaçar o grito de satisfação perante o dever
cumprido.
Parabéns Guerreiro!!! Agora em julho. Vou participar!!! Estou lendo. Sobre a Mística Rainha!!kkk abraço
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