quinta-feira, 23 de outubro de 2014

O Triathlon e a Rainha: GP Summer Balneário Camboriú por Matheus Tonello

No Domingo 19 de Outubro, por volta das 20hrs, enquanto conversava pelo Whatsapp com minha irmã é que veio a revelação: eu sempre fui obcecado pela Rainha.


A estrada da Rainha é uma ligação que existe entre Balneário Camboriú e a praia dos amores. Ela corta o morro do Careca e tem por característica ser extremamente íngreme, porém curta (500m), em sua parede sul e um pouco menos íngreme na face norte. Ela começa com uma inclinação de 3%, depois de 100m a inclinação é de 10%, com 150m ela pula para 20%, com 250m ela ameniza um pouco em 13%, volta a ficar muito íngreme 33% em torno dos 350m, então se mantém em 16% até quase o cume, quando aplana. É extraordinário encarar uma montanha assim, mesmo sendo curta. Para quem não está acostumado com inclinações, a subida do zoológico em Cascavel tem em torno de 12% na sua inclinação máxima.


O fascínio dessa estrada remete aos meus tempos pré-triathlon, quando achava espetacular encarar sua subida com um carro 1.0 e rolava aquele medo de não conseguir subi-la em dia de chuva. Exige muito do motor. Os corredores conhecem essa estrada, pois faz parte da meia maratona de Balneário Camboriú e todo mundo sabe que levar uma magrela lá pra cima, sem empurrar, é um trabalho gigantesco. Um dia estava de férias em Balneário, e de mountain bike resolvi encarar a brincadeira. Coloquei uma marcha confortável e comecei a brincadeira. Fui relativamente bem, até a certa altura meu manete soltou e eu quase cai da bike e tive que empurrar o resto do percurso. Quando cheguei lá em cima, encontrei um casal cujo rapaz estava usando uma camiseta de triathlon e me disse: é dura essa subida né? Você sabia que tem uma prova de triathlon onde o ciclismo passa aqui, duas vezes? Uau! Duas vezes. Foi plantada a sementinha...

Todo mundo que treina comigo sabe que não sou um grande ciclista. Sou um nadador e corredor mediano e um ciclista medíocre. Sou um entusiasta do esporte e muito disciplinado, mas meu ciclismo é ridículo. Talvez seja culpa da minha bike nova, só que não, mentira, eu que sou perna mole mesmo. Apesar disso, resolvi que em 2014 eu iria encarar o GP Summer de Triathlon Camboriú, com dose dupla de subida da rainha. Feita a inscrição, reservado hotel, na quinta feira pulei na caranga e desembestei para a praia preferida dos cascavelenses. Tempo chuvoso, oscilando entre 20 e 24 graus, muito diferente dos 39 graus que fazia em Cascavel. Na sexta fiz um treino de corrida, de boa, só para reconhecer o percurso da corrida. No sábado, véspera da prova pela manhã, resolvi experimentar a rainha. Três motivos. Primeiramente para ver se estava tudo certo com a bike depois da viagem, segundo para avaliar qual relação que utilizaria na subida. Terceiro para subir de uma vez e quebrar o gelo. Deu tudo certo.


Ás 17hrs, congresso técnico. Sabe que gostei muito da rapaziada. O foco principal do congresso eram orientações sobre o ciclismo. O foco era a Rainha. Primeiro porque o sentido da subida e descida mudaram, antigamente subia-se e descia-se pela contramão, o que facilitava a curva ao final da parte mais íngreme da decida. Agora, como a estrada está duplicada, sobe e desce pela mão, porém o final da descida é numa rotatória, o que significa dificuldades. Todo mundo sabe que bicicleta speed ou de triathlon são difíceis de parar, então a frenagem deveria começar bem antes do final dela. O palestrante era muito engraçado, orientando descer a coroa antes do começo da subida e que se fosse ver que não ia dar, o ideal era desmontar da bicicleta antes de entrar em crise, para não correr o risco de cair. “Sem problemas, eu vim para subir forte, em linha reta”, pensava. Por fim, orientou sobre a corrida e sorteou um garmin 310xt, que obviamente não ganhei.

Domingo, 6:30 da manhã, horário brasileiro de verão, e eu já me encaminhava para a área de transição. Para quem não está acostumado com triathlon, a quantidade de coisa que temos que levar para a área de transição é assustadora. O check list não tem fim. Mesmo para prova curta. Fui de top e bermuda, vesti a roupa de neoprene (liberada para essa prova), touca, óculos e fui me aquecer na água. Deu um frio na barriga de pensar na rainha. Nesse momento deu vontade de desistir. Não foi fraqueza não, foi um medo estranho, inexplicável. Talvez porque fosse muito importante para mim! Não sei. Nem no Iron de Foz eu senti isso.  Se o pessoal da WB Triathlon estivesse comigo, eu já teria tomado um tapão na orelha e teria me recomposto mais rapidamente. Quando me dei conta, o narrador anunciava 5 minutos para a largada e não dava tempo de pensar mais nada. Como um cara amarrado a um bungee jump que está com medo de pular e alguém empurra. Mais ou menos assim que me senti quando soou a sirene de largada.

A natação foi muito tranquila, a primeira bóia chegou tão rapidamente que parecia que estava na orla. O contorno da segunda bóia foi tranquila também, só que eu fiz muito aberta e perdi um pouco a referência do pórtico, por isso perdi um pouco de tempo. Nada demais, saí bem rápido da água. Olhei para trás e vi que estava numa posição intermediária, fiquei satisfeito. Fiz uma transição um pouco demorada devido à retirada da roupa, vesti o capacete, sapatilha e saí com minha bike em direção à Rainha.
O ciclismo na orla é bem complicado porque tem muitos desníveis na avenida Atlântica devido à lombadas. Mantive uma média de 30 km/h, pois queria poupar para as subidas. E depois de poucos minutos já pude vislumbrar a famigerada, encantadora e hipnótica subida da Rainha. Não posso empurrar, não posso empurrar... era só o que pensava enquanto reduzia para a catraca 26, já pensando que teria que usar a 28. E a subida começou...

Primeira coisa, o que me parecia inacreditável e inimaginável, foi ver cara de Cervelo P3, Specialized Venge, Scott, empurrando suas bikes montanha acima. E eu seguia firme. Começaram os ziguezagues. Dois caras quase caíram, pois estavam tão lentos subindo e de cabeça tão baixa que não se viram, trombaram mas não caíram. E eu seguia firme. Linha reta. Quando a montanha chegou nos 30% comecei a pedalar em pé. Em 4 minutos atingi a meta de montanha e veio uma imensa vontade de vomitar. Que negócio absurdo! Desci a montanha e contornei o retorno na praia dos amores. A subida pelo outro lado não assusta tanto, porque ela começa insidiosa, como a maioria das subidas que a gente treina aqui na estrada do Espigão. Fica íngreme no final, mas é menos sofrida. Contornei a primeira volta e na segunda perna acelerei mais, aí percebi que tinha feito pouca força na primeira volta. Poupei demais. Cheguei na Rainha novamente e exorcizei todos os fantasmas por trás da Rainha. Subi mais uma vez em linha reta e dessa vez fiz mais força que na primeira vez. Não foi fácil, não foi moleza, mas o trabalho foi feito. Aqui vale um adendo, confiram bem os freios da bike antes dessa prova, pois na segunda descida eu quase não segurei a bike e quase marquei o couro na rotatória ao final da descida. De qualquer forma, tudo feito, hora de entregar a bike e partir para a corrida.

Depois de uma transição rápida ao melhor estilo Fernando Marucci, só que não, eu fui para a corrida. No GP, a corrida são 3 voltas pela orla de Balneário, um circuito absurdamente plano e rápido. Ao final da primeira volta comecei a sentir uma dor no calcanhar esquerdo, aí lembrei que havia esquecido da vaselina no tênis. Caramba. Eu nunca aprendo. Quem faz triathlon sabe que são tantos detalhes que há sempre a possibilidade desses esquecimentos. No final da segunda volta, a moral deu uma baixada, eu já pensando na porcaria que estaria meu calcanhar. Mas na terceira volta veio aquela energia que a gente nunca sabe de onde vem e acelerei para terminar a prova com minha melhor corrida em uma prova de triathlon. Feliz da vida. Ainda fui presenteado pelo sorriso do meu bebê próximo à linha de chegada.

Após a chegada, o narrador que era o organizador da prova, me recebeu com um sorriso e um comprimento muito bacana. Recebi a medalha e fui para a dispersão. Tirei o tênis e visualizei o estrago. Não importava mais. Triathlon é isso. Endorfina, sofrimento e chegada. Não há nada que me deixe mais feliz do que ser capaz de nadar o quanto e como eu quiser, pedalar e correr a meu bel prazer. Voltei descalço para o hotel com sorriso no rosto e com a sensação de que não há rainhas ou montanhas que possam amordaçar o grito de satisfação perante o dever cumprido.
  



Um comentário:

  1. Parabéns Guerreiro!!! Agora em julho. Vou participar!!! Estou lendo. Sobre a Mística Rainha!!kkk abraço

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