segunda-feira, 18 de maio de 2015

Iron Man 70.3 Flórida - Relato de Prova por Matheus Tonello

30km/h ... 30km/h ... 30km/h ...eu olhava para o Garmin Edge e só pensava em ver esses números na frente. Estava no KM 42 do ciclismo, já havia nadado 1900m no técnico circuito em forma de M e estava diante da primeira grande subida do circuito; minha média estava em 32.8 km/h e uma dor na região inferior do abdômen começava a me incomodar. A velocidade da bike começava a cair, a vontade de urinar era insuportável, o sol derretia minha pele; então percebi que meu Iron estava começando, apenas começando...




A Preparação

Tudo começou no dia primeiro de setembro de 2014, três dias após o IronMan 70.3 Foz quando estreei na distância com uma “quebra” terrível na corrida, depois de um ciclismo sofrível e um tempo final de 6:51. Comecei a procurar uma prova na distância de meio Iron, fora do país, onde pudesse realizar uma prova diferente. Mas não queria competir na Europa por enquanto, então pesquisei o calendário de provas do primeiro semestre e a maioria das provas era no Caribe ou nos Estados Unidos. Encontrei duas provas interessantes, o 70.3 Porto Rico e o 70.3 Flórida na cidade de Haines City, coladinha com Orlando. Fiquei bom tempo em dúvida, mas acabei optando pela prova da Flórida, devido a proximidade com Orlando, cidade muito interessante para passeios com a família.

A preparação para uma prova como essa é muito complicada, ainda mais que eu tinha que evitar o fracasso ocorrido em Foz. Como já dizia Einstein: "Fazer todos os dias, as mesmas coisas, e esperar resultados diferentes é a maior prova de insanidade". Então resolvi mudar algumas coisas, a começar pela forma de treinamento e a nutrição. Na forma de treinamento comecei a focar muito forte na musculação e qualidade nos treinos.
Eu negligenciava a musculação, só percebi isso quando de fato comecei a treinar direito. Quando você faz um ciclo para uma prova como a de meio Iron e você falha, a vantagem é que consegue-se perceber tudo que fez de errado e tenta-se corrigir. No ciclo anterior eu negligenciei a musculação, alguns treinos longos eu não realizei ou fiz com uma intensidade menor do que deveria. As vezes perdia treino por deixar para correr à tarde e chovia ou porque ficava resfriado e não conseguia treinar. Dessa vez o foco era ter força, estrutura e saúde para aguentar todos os treinos longos que viriam pela frente. Então fui para o próximo passo, consultar uma nutricionista que prescrevesse uma dieta alimentar que me fizesse perder peso, sem perder força; que me deixasse mais magro sem ficar doente. Encontrei na nutrição a chave para abrir todas as portas para o sucesso no triathlon. Muito desse conceito eu captei do amigo Ricardo Furlan, o primeiro a me falar firme sobre a necessidade de comer direito. Quando comecei
a dieta específica para os treinos estava com 77kg, peso mais ou menos semelhante com o que eu fiz o Iron de Foz. Para os meus 1,73 era visível que eu precisa de ajustes. Sem entrar em detalhes mais enfadonhos da dieta, consegui introduzir uma nova rotina alimentar, o que me deixou mais magro e mais forte.

Então começaram os treinos, uma planilha bem elaborada de 3 meses para o 70.3 Florida. A vantagem dessas provas no outono é que tem o verão inteiro para treinar, o que viabiliza muito os treinos no fim da tarde (por causa do horário de verão) e diminui os riscos de ficar doente. À medida que a planilha e os dias passavam, os treinos estavam muito bem encaixados. Praticamente todos os treinos mais longos eu realizei com o parceirão Diego Sub-5 Bavaresco (que estava em ciclo para o 70.3 de Brasília), mas treinei muito também com Fernando Marucci, Fabio Fonseca e João Gasparini. Coincidência ou não, o único treino onde quebrei (quebra considero queda do pace alvo na corrida acima de 20 segundos/km) foi um treino que fiz praticamente sozinho (foi um treino de 70km de bike + 15km de corrida). Os outros treinos foram dentro do pace alvo (em torno de 5:15-5:30) feitos em subida e descida (estrada do espigão) e geralmente por volta das 11 da manha (a corrida), o que me daria um sub-2h na corrida da Florida.

A viagem

Treinos finalizados, era hora de organizar a viagem. O check list para uma prova de Iron fora do Brasil é absurdo. Em breve escreverei um texto só falando desse assunto e dando dicas para futuros viajantes. A prova era no dia 12-4-15 e a viagem estava programada para dia 8-4-15, exatamente para prevenir certas eventualidades que pudessem surgem com extravios de malas, problemas na bicicleta e descansar as pernas da viagem. Decolamos em Foz do Iguaçu, com conexão rápida em São Paulo, rumo à Orlando. O voo foi tranquilo, sem imprevistos e as malas chegaram sem maiores problemas. No aeroporto, quando passava pelo setor de controle de alimentos e entrada de produtos nos EUA, um policial me perguntou (em inglês, agora com tradução livre) se o que tinha na minha mala grande era uma bicicleta. Eu respondi que sim. Ele perguntou por que eu a estava trazendo. Respondi que eu ia participar do Iron Man Florida. E ele disse: Wow, Iron Man? Wow. Esticou a mão e me cumprimentou. Fiquei lisonjeado, principalmente porque o momento mais tenso de qualquer viagem aos Estados Unidos é a entrada. Quando saímos daquele setor, fiquei pensando: É, estamos num país onde as pessoas sabem o que é Iron Man...

Chegamos ao hotel, tudo certo, descansei e me programei para montar a bike (que estava parcialmente desmontada no mala bike) no dia seguinte. Acordei cedo e fui trabalhar. E não é que deu problema. Na hora de apertar um dos parafusos da mesa espanou e ficou solto. Caramba! O
programado era ir até a Vila do Iron somente dia 11, para pegar o kit e deixar a bike. Mas não teve jeito, tive que me antecipar e ir na sexta para ver o que dava para ser feito. Fomos até lá, com aquela sensação de que já tinha começado tudo meio errado e fui atrás dos mecânicos de bike. O stand estava relativamente vazio o que foi bom, porque explicar problemas na bike em inglês não é meu forte. Depois de um tempo, o cara olhou, olhou e sugeriu a troca da mesa. Porém, ninguém tinha uma para vender na feira e ele se responsabilizou em conseguir uma para o dia seguinte. Aproveitei para pegar o kit e voltei pro hotel.

No sábado, fomos novamente à feira, dessa vez para consertar a bike, fazer compras (dólar muito caro) e deixar a bike na transição. Como a bike iria demorar quase 2 horas, aproveitamos para conhecer o Lake Eva e perceber duas coisas extremamente angustiantes: 1 - para todos os lugar que olhava, enxergava ladeiras; 2 - era 1 hora da tarde e estava 34 graus, suava até na sombra. Prelúdios da difícil prova do dia seguinte. A bike ficou pronta, fui ao check in deixar a bike. Lá percebi que a transição não era como no iron no Brasil, com sacolinhas e área para trocas. Era no esquema triathlon tradicional, com as coisas ao lado da bike e seja o que Deus quiser. Como havia previsão de chuva para a noite, forrei com sacolinhas de plástico o selim e
fui embora para casa descansar pois eu teria um longo domingo pela frente.






O Dia da Prova

Apesar da minha largada ser ás 7:38h, a área de transição fechava as 6hrs, e Haines City e o lake Eva ficam localizados há 35 minutos do meu hotel. Por isso acordei as 4:30h para sairmos no máximo ás 5hrs. Tudo já estava preparado, roupas, hidratação, nutrição. Tomei um café da manhã, esquentei no microondas a batata doce e fomos para o carro (eu e meu pai - staff). Saímos 5 minutos atrasados. Chegando na região próxima ao Lake Eva descobri que não seria fácil estacionar e percebi o mundo de gente que iria participar da prova. Acabamos por estacionar cerca de 700 da região da prova, e fomos a passos largos para a zona de transição terminar de organizar.

 * No melhor estilo Bono Vox


 *Ao fundo.


 *No detalhe


Ajustados os últimos detalhes fui conversar com um staff para entender a dinâmica da área de transição e ele, muito atencioso, mostrou como seria as entradas e saídas. Fiquei muito feliz com a disposição dele. Saí da transição já com o macaquinho de prova e fui aguardar minha largada. Aqui cabe um adendo. Segundo uma revista americana especializada em triathlon, essa prova da Florida é considerada uma das 5 mais lentas do mundo na distância de 70.3, da franquia Iron Man. Por que? Primeiro, é proibido o uso de roupas de borracha. Principal razão, a temperatura da água. Nessa época do ano a temperatura da água pela manhã gira em torno dos 25 graus. Segundo, o trajeto da natação é bem estranho. Como o lake Eva não possui extensão suficiente para um quadrado fechar os 1900m, eles fazem um M, com vários contornos de boias onde há sempre perda de velocidade e represamento de atletas. Outra razão para a prova ser lenta é a corrida, pois são três voltas de 7km, onde possuem várias subidas duras no percurso e o calor sempre passa dos 30 graus.





      
* Eu e meu pai                                  


Às 6:30 da manhã cantou-se o hino Americano (momento em que todos pararam o que estavam fazendo e observou-se um silencio assustador) e as 6:40h ouve-se o sinal da largada da primeira onda. Essa também é uma das poucas provas da franquia Iron Man com largadas em ondas, porque o lago e seus infinitos contornos de bóias não comportam 1500 atletas largando juntos. Então foi esperar calmamente o horário da minha largada, com crescente ansiedade. A cada 3 minutos soltavam uma categoria diferente e quando me dei conta já estava na hora da minha largada. Entrei na água, pois a largada se dá com água na cintura porque a margem do lago é pantanosa e em seguida ouvi a sirene que indicava o inicio do desafio. Seriam em torno de 6 horas de um desafio muito intenso, ou menos, se tudo desse certo.

Natação






*Minha largada


No início tentei me posicionar de forma a evitar o contato com outros nadadores, tudo dentro do planejamento que todos os triatletas fazem e poucos conseguem. Como as boias estavam todas no sentido do ombro direito e eu faço minha respiração sempre para a esquerda, fiquei meio perdido com relação a orientação. PRA VARIAR! Eu já tinha estudado um pouco a corrente no lago e ela era contra na primeira perna do M e na segunda perna menor do M. Então, quando cheguei relativamente rápido na primeira boia fiquei animado. Só que aí comecei a ser ultrapassado pelo pessoal de touca amarela (categoria que largou depois de mim) e eu comecei a ficar desanimado. No geral nadei bem, nadei forte o suficiente sem gerar exaustão, não tive acidentes e fiquei bem satisfeito. Quando contornei a ultima boia e era só finalizar o M coloquei bastante gás e aumentei a intensidade das pernadas; em pouco tempo cheguei à borda pantanosa do lago, local do final da natação.




Pela primeira vez saí da água e até a transição não sofri ultrapassagem de ninguém, não estava cansado e estava muito motivado / focado para o ciclismo. No portal bateu 43', um pouco alto (em Foz em fiz 39'), mas como o circuito é chato fiquei satisfeito. Cheguei na minha bike, sentei no chão para secar o pé e calçar as meias, mandei um gel de carboidrato, bebi água e fui pedalar. Aqui cabe um comentário. Sobre os números mágicos. Números mágicos são aqueles que trilham o caminho para o sucesso. Para entender melhor: Meu objetivo nessa prova era fazer abaixo de 6 horas. Então, de acordo com minha capacidade atlética e meus treinos, para chegar nesse sub-6hrs eu precisaria fazer:

Natação: 40 minutos.
T1: 5 minutos.
Ciclismo: 3hrs.
T2: 5 minutos.
Corrida: 2:10h

Total: 6 horas.

Quando subi na bike e bati o lap da T1, minha situação era a seguinte:

Natação: 43:49
T1: 4:31

Eu estava 3 minutos defasado com relação aos meus números mágicos e acreditem, eu sabia disso, e isso me motivava ainda mais...

Ciclismo

O ciclismo é o ponto chave numa prova de 70.3. São 90km que podem levar sua prova à ruína. Todas as pessoas que conheço que conseguem bons resultados no triathlon o fazem muito por conta do bom pedal. Antes de praticar triathlon eu tinha a impressão que o menos importante era o pedal. "Ah, o pedal qualquer coisa eu faço de boa que dá tudo certo, o importante é a corrida". ERRADO!

Primeiro que não existe pedal de boa. Para quem gosta de números: a diferença em uma prova de meio iron entre você pedalar 30km/h de média e 25km/h é de 36 minutos. Isso significa 36 minutos a mais sob o sol geralmente quente, fazendo força, desgastando músculos, articulações, forçando a coluna e a musculatura das costas em uma posição nada fisiológica; isso estraga a corrida de qualquer um. Então, a primeira lição que aprendi com a quebra em Foz foi: Por melhor que esteja correndo, se pedalar mal, vai quebrar! Sem contar que 36 minutos é humanamente impossível de tirar na corrida, então para se ter um objetivo claro e uma meta a ser batida, o pedal tem que estar encaixado para que o tempo final seja satisfatório. Se você quer terminar abaixo de 5 horas, vai ter que pedalar acima de 36km/h de média, se quer fazer abaixo de 6 horas, vai ter que pedalar acima de 30km/h.



30km/h ... 30km/h ... 30km/h ...eu olhava para o Garmin Edge e só pensava em ver esses números na frente.

Voltamos ao início.

O pedal dessa prova é considerado um dos mais rápidos dos Estados Unidos, não por ser plano, ele não é; tem várias subidinhas e outras bem grandes. O que o torna rápido é a estrada. É um tapete, praticamente sem ondulações, com pneu tubular a impressão que se tem é que está flutuando. A primeira parte (os primeiros 40km) são em descida; pelo menos pelo mapa de altimetria da prova. Na prática você realmente mais desce do que sobe, porém é como a estrada do DER ao Espigão, você sabe que está descendo mas encontra várias subidas chatas no caminho.


Outra característica muito bacana da prova é que esse é um dos poucos circuitos de bike do mundo do Iron Man que são 90km em volta única, isso torna a coisa bem mais interessante e menos entediante.
A estrada passa pela zona rural de Haines City, que é extremamente bonita e pitoresca. Na frente das fazendas tem aqueles montes de feno que a gente vê em filme americano, para nós brasileiros uma experiência diferente. São três postos de abastecimento (o que achei pouco), então se cometesse um erro na hidratação e ficasse sem água iria complicar muito a prova. Atentei para pegar certinho e para mim deu muito certo. Outro ponto que cuidei bem foi a nutrição, mas tive um problema com 1 gel de carboidrato que misteriosamente arrebentou durante a prova.

* Colinha que levei para não errar na nutrição / hidratação

Lá pelo quilômetro 35 comecei a sentir um incomodo na região inferior do abdomen, saí um pouco do clipe e a dor passou, clipei de novo e ela voltou. Vixi, a bexiga estava cheia. Minha média estava em 32.8km/h e ainda tinha a segunda metade de subidas pela frente. Pensei em parar para urinar, desisti rapidamente da ideia ridícula; tentei algumas manobras de relaxamento e não adiantaram; tentei urinar pedalando, não consegui. Tomei a única decisão a ser tomada nesse momento: voltei para o clipe e vamos embora! Chegou a primeira subida. Muito dura. Ultrapassei muita gente, não fui ultrapassado por ninguém. Segui sentado, fazendo força, sem descer a coroa (como havia treinado). Na meta de montanha, relaxei, tomei um pouco de água e comecei a descer. Assim foi.


Depois vieram outras subidas e falsos planos em subida e a prova começou a ficar mais dura e menos bonita, pois entramos em estradas maiores. No km 77.5 a bexiga queria explodir, encontrei uma posição que doía menos e fiquei nela, sempre clipado. Nesse momento fui ultrapassado por um brasileiro que gritou: Vamu Brasil! Ignorei porque estava em crise por causa da bexiga e continuei a fazer força, estava com média de 31.5km/h e faltava apenas um Espigão. Logo em seguida chegou uma subidinha e o atleta que havia me ultrapassado estava tendo um pouco de dificuldade, passei por ele e segui. Na descida seguinte ele me alcançou, parou do lado e perguntou de onde eu era e disse que era de Piracicaba. Não lembro o nome nem o número dele. Passou por mim e seguiu. Depois iniciou um falso plano em subida bem duro, onde ultrapassei-o de novo e ele ficou para trás. E na descida seguinte ele me passou dizendo: eu não gosto de pedalar em subida. Como o final era quase todo em subida, logo o encontrei de novo e ele ficou para trás, não o veria mais no ciclismo.

Quando faltavam 3 quilômetros começamos a entrar na cidade novamente, o sobe e desce continuava e o Garmin mostrava que eu conseguiria fazer abaixo de 3hrs, na verdade pela média que eu vinha mantendo de 31.3 km/h daria para fechar bem abaixo. O último trecho do ciclismo era uma descida íngreme onde atingia-se facilmente 50 km/h, foi descer, fazer uma curva à esquerda e desmontar da bicicleta.



 Desci da bike e fui em direção ao meu ponto de transição. Tomei um gel, sal e bebi água. Fui ao primeiro banheiro químico - OCUPADO. Depois segui ao segundo e estava livre. Foram os 40 segundos perdidos mais prazerosos que poderiam acontecer. Saí de lá rapidamente e fui iniciar a temida corrida, já com sol dilacerante e com a temperatura acima de 30 graus.

Parciais:

Natação: 43:49
T1: 4:31
Ciclismo: 2:52.19
T2: 4:14 (40 segundos de banheiro)



Corrida

Com esse ciclismo e essa T2 eu tinha tirado os 3 minutos que estava defasado da minha sub-6 e ainda tinha colocado uma gordurinha caso acontecesse alguma tragédia na corrida. Quando comecei a corrida olhei no relógio e me lembro de ter visto que se fizesse a meia em 2:10 conseguiria com folga o sub-6. Na verdade eu poderia fazer em mais tempo, mas o plano A era fazer abaixo de 2hrs.

A meia maratona em uma prova de 70.3 é um outro esporte. Por mais que você treine, treine e treine transição correr-la decentemente é um desafio para uma vida. Alguns, como Diego Bavaresco (famoso Diego sub-5) consegue tranquilamente correr no pace alvo, mas a maioria dos mortais não. Em Foz, no primeiro km eu já sabia que ia ser sofrimento. Nessa de Orlando comecei animado, pois estava correndo bem.



O circuito são 3 voltas de 7km. Corrida em circuito tem suas vantagens e desvantagens. A vantagem é que tem mais público e isso é contagiante. As desvantagens é que você está sempre encontrando pessoas correndo mais rápido que você e se o circuito for duro ele se repetirá varias vezes e a cada volta dá vontade de parar. O do 70.3 Flórida é particularmente duro, pois tem 2 subidas muito fortes, uma de 200m que parece rampa de prédio e uma longa de quase 1km que lembra a Cuiabá. Depois é tudo falso plano, nunca totalmente plano.

Comecei correndo forte 4:50 pois o primeiro km era muito fácil, bem plano. Como meu pace alvo era entre 5:15 e 5:25, foi isso que fiz nos longões de transição, foi isso que eu treinei, reduzi um pouco e fechei o primeiro km em 5:07. Estava me sentindo bem e por instantes imaginei que conseguiria fazer até abaixo de 1:50. Ledo engano! No segundo km já enfrentei uma das temíveis subidas, todo mundo andando, 100% andando, menos eu, subi correndo e o pace subiu para 6:30 na subida. No topo já acelerei e desci bem forte para compensar a perda na subida, estava eufórico. Fechei o segundo km em 5:18. Vamo que vamo. Aí olhei para frente...e enxerguei a Rua Cuiabá na minha frente. Uma subida interminável, numa avenida sem sombra e praticamente todo mundo andando. Encarei a subida com a energia que dispunha e fui. Pace de 5:42 no km 3 e percebi que passar ali mais duas vezes seria brutal. Então os 2km seguintes eram em falso plano em descida e subida onde tinha que fazer força o tempo todo, fechei o 4 e 5 em 5:33 e 5:43. Nesse ponto, eu lembro bem, a euforia foi embora e o foco em fechar em 2hs estava começando a ficar comprometido - eu ia sofrer. O km 6 era moderado e o km 7 era bruto, pois tinha uma subida, muito sol e tinha o efeito psicológico de muita gente já estar terminando a prova. Fechei em 5:46 o km 6 e 6:00 o km 7. Fim da primeira volta, nesse momento percebi que o sub-2hs não iria acontecer. Eu estava cansado, frequência cardíaca bem alta, sentindo muita sede entre um posto de hidratação e outro e ainda faltavam duas voltas para terminar.


No início da segunda volta, naquele único quilômetro plano, não conseguia manter pace abaixo de 6:00. Interessante, na hora me lembrei dos meus treinos de sábado de manhã, onde fazia alta quilometragem na bike seguido de corrida de 12, 14, 15, 16. De todos os longões de fim de semana, feito sempre na estrada do espigão, o único onde não consegui manter pace abaixo de 5:35 foi um que quebrei mas finalizei para 5:50. E olha que eu treinei no verão, sempre terminando próximo ao meio dia! Como poderia estar com tanta dificuldade? A resposta não me veio. Continuei fazendo força, continuei sofrendo. O km 8 fechei com 6:12, então definitivamente estava fora do sub-2h, comecei até a questionar o sub-6h no total. Mas calma, tenho que fechar abaixo de 2:10h, pensava. No km 9 tive uma revelação. Naquela subida brutal de 200m, subi com pace de 7:30, todo mundo estava caminhando. Quando cheguei no topo da subida e comecei a descer, não conseguia manter um pace melhor de 6:00 e fui ultrapassado por um monte de gente. Será que estou fazendo certo? Será que em situações assim, quando o pace cai para menos de 7:30 o ideal não seria caminhar? Segui em frente, encarei a longa subida seguinte e fechei os  km 9 e 10 para 6:13 e 6:45.




Metade da prova, entrei numa região com muitas sombras, mas nenhuma na rua. Vi uma corredora sentada embaixo de uma árvore e um corredor recebendo soro no meio da rua. Calor intenso, lado negro de uma prova de Iron Man. Km 11 e 12 em 6:21. Já começava a queimar a gordura acumulada no ciclismo e temia por uma piora no rendimento. No km 13 fui ultrapassado pelo piracicabano do ciclismo, que gritou Vai Brasil! Vou confessar uma coisa a vocês, não gosto desses gritinhos de vai Brasil nas provas. Não sei porquê. Esse km fechei bem, em 6:08, demonstrando a mim mesmo que ainda havia pernas. Aliás, quando quebrei em foz, nessa altura eu já me arrastava. Sentia caimbras nas pernas, dor nos pés, contraturas nas costas. Agora não, apenas não conseguia correr em um pace abaixo de 6:00, mas me sentia forte. O km 14 foi duro, meio subindo, perto do fim da volta e sentindo muita sede entre os postos. Fechei em 6:55.



Abri a última volta com aquela sensação gostosa de é a última! Fiz o trecho plano em 6:27 o que me fez temer pelo resto. Quando cheguei na subida, logo no início meu pace caiu para 7:40, optei por andar. Andar rápido, com energia e o pace caiu para 8:00. Era quase a mesma coisa! Quando comecei a descer, a surpresa, desci com pace de 4:50!!! Não é funcionou! Fechei esse km 6:14 e iniciei a subida mais longa. Subi 2/3 dela e o pace caiu para 7:30 de novo, andei até o fim dela e depois voltei a correr, como não havia descida, o pace ficou próximo a 6:00, mas me senti bem. Km 17 fechado em 6:45. Faltava uma volta no lago! Só 4km, olhei no relógio e percebi que conseguiria o sub-6 mesmo que fosse andando, então me segui forte correndo, não precisei mais andar. Nesse momento, onde praticamente todo mundo que eu encontrava estava andando, inclusive algumas pessoas andando bem devagar batendo papo, fiz o km 18 em 5:57, o 19 em 6:31 e o 20 em 6:30. No km 18, fui ultrapassado por um americano que disse algo como (em tradução livre): Faz calor no Brasil como faz aqui? Dei um tchauzinho para ele, pois não tinha forças para falar nem em inglês, nem em português e nem na língua do P. Mas pensei: Calor úmido desse jeito, em Cascavel, acho que não.


Faltavam 3 longos quilômetros para terminar. Já não queria mais sentir gosto de água na boca. Já havia sofrido demais naquela sauna, mas resolvi acelerar. Fiz muita, mas muita força, porém tudo que minhas pernas conseguiam era correr em um pace de 6:30. Passei pelo ponto que marcava que faltam apenas 1 milha (1.6km) para terminar e comecei a sorrir. Não tinha mais como quebrar, ia conseguir o sub-6h, agora era só chegar. E até que esse final passou rápido. Quando estava perto do local onde virava-se para a chegada, um pessoal gritou (em inglês): Vai Matheus, você está muito bem! Aí entrei no gramado da chegada e visualizei o pórtico, agradeci a Deus por tudo: um ciclo de treinos sem lesões, uma provas sem acidentes e por estar ali, digno de tudo isso.

* Na reta Final


* Agradecendo a Deus


* Vibrando com a conquista (o tempo está defasado pois minha largada foi quase uma hora depois da primeira

Fechei a meia maratona em 2:08 e o 70.3 IronMan Flórida em 5:53.

Se alguém quiser conferir os gráficos e parciais é só entrar no meu garmin cornet:

https://connect.garmin.com/modern/activity/746869123


Após a chegada já visualizei meu pai, o abracei, peguei a gopro onde gravei um video ridículo que não compartilharei aqui e me debulhei em lágrimas. Iron faz isso! Fui para a tenda onde estavam servindo massa (não consegui comer quase nada porque estava muito quente) e fui buscar a bike para ir embora.




Desse momento eu só me lembro do calor absurdo. Calor, calor e calor. Mas a prova não estava terminada ainda, precisava voltar para o hotel para dar um abraço no Dudu. Isso aconteceu 40 minutos depois, onde pude abraçar e dizer no ouvidinho dele: Papai conseguiu de novo, te amo filhinho.