segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Meu primeiro Triathlon na distância Olímpica - por Jean Gazzoni

Escrever  sobre uma prova de distância relativamente curta como a distância Olímpica (1500m Natação x 40 km Bike x 10 km corrida) parece ter pouca relevância quando se vê que a grande maioria dos relatos se refere a provas de long distance como o 70.3 ou maiores, no entanto, para muitos, uma prova de 70.3 milhas pode parecer inalcançável enquanto uma prova em distância olímpica é muito mais palpável, então, vou compartilhar minha experiência esperando incentivar aos que ainda não se aventuraram no triathlon ou àqueles que já estrearam no Short e estão pensando em encarar um 1500m x 40 km x 10 km.

Antes quero compartilhar algo a mais:

Curriculun

Embora um veterano na vida (40 aninhos) sou um iniciante no triathlon. Desde o início de 2014 fiz 3 provas (2 em Caiobá e 1 em Foz do Iguaçu) e um simulado (em Cascavel), todos na distância Short (750m x 20km x 5km).  Treinei de fevereiro a Julho em 2014 e depois parei geral por 7 meses devido a lesões no ombro e panturrilha que acabaram me desmotivando e me fizeram parar até mesmo de pedalar, embora nenhuma das lesões me impedisse de faze-lo.
Voltei as corridas leves em Março deste ano e a treinar novamente as 3 modalidades em Maio, quando o amigo e compadre Adriano de Quadros me trouxe para o grupo West Bikers Triathlon Team e me incentivou a fazer o simulado preparatório para o Ecotri de Cascavel. Desde então, com treinos de intensidade e volumes moderados / leves, respeitando muito os sinais do corpo, tenho conseguido me manter em treinamento sem lesões.
 
Sonhos

Assim como todo o corredor, ou ao menos a maioria deles,  sonha em completar uma maratona, acredito que todo o triatleta, ao menos uma grande parte  deles,  sonha com uma prova long distance. Comigo não foi diferente, mau comecei a treinar e já sonhava em fazer um IronMan 70.3. Cheguei a escolher uma prova para estrear (Pucón – Chile) mesmo antes de estrear no Short.  Fui também assistir uma parte do 70.3 em Foz do Iguaçu, em 2014, e naquela ocasião, admirando toda a estrutura, os atletas competindo, sentido o cheiro do desafio, disse para o amigo Adriano que estava comigo: também  vou cruzar este pórtico!
Não demorou muito para entender que aquilo era apenas um sonho. Um caminho longo deveria ser seguido antes de pensar nisso novamente. No triathlon sonhar não basta, é preciso trabalhar duro, cumprir etapas, planejar algo realista. Por isso admiro, MUITO, cada pessoa que conheço e que já alcançou este estágio,   esses caras não são comuns, eles tem algo a mais, muito mais, eles tem disciplina, força de vontade, tenacidade, capacidade de ir buscar seus objetivos, superar as adversidades,  e é por isso que  quando eu “crescer”, quero ser como eles!

Dificuldades

Meu corpo demora um pouco a se adaptar, demora para se recuperar de treinos mais longos ou mais intensos, o que acho natural, afinal, não tenho mais 20 anos,  nunca fui um atleta e na minha família não temos histórico de atletas. A musculatura posterior  encurtada,  uma perna mais curta que a outra, pisada totalmente torta, um desequilíbrio muscular considerável (cerca de 20%)  entre os lados direito e esquerdo do corpo, logo, superar as limitações físicas já é um grande desafio, porém, havia um outro fator limitante que somente descobri após fazer as primeiras provas de triathlon. Eu sempre pensei ser forte mentalmente e  me surpreendi com com o que meu psicológico me impôs -  uma barreira bastante difícil na etapa da natação, barreira contra a qual tenho travado uma bela batalha.

A Barreira Mental

Nunca sofri qualquer trauma na água, um susto sequer, então, não tenho a menor ideia de onde tirei tamanho desconforto ao nadar em uma prova juntamente com outras pessoas. Se entro na água sozinho não há problemas, mas largar em uma prova com dezenas ou centenas de nadadores ao mesmo tempo passou a me causar uma sensação que eu jamais havia experimentado.  A frequência cardíaca dispara, a respiração encurta, o ar não chega mais aos pulmões, a musculatura enrijece completamente a ponto de limitar os movimentos. Qualquer esbarrão em outro nadador provoca um susto, não um susto qualquer,   é algo que me faz parar de nadar e quando se para outros nadadores  começam a atropelar quem está parado ou muito lento, é uma tortura, PÂNICO. Já abandonei uma prova 200m após a largada (a primeira que tentei) e quase desisti em outra situação (confesso que fui até o final somente porque minha esposa e filha estavam assistindo). É algo difícil de descrever. Faço um paralelo com  aquela sensação de quem cruza o pórtico de chegada em uma prova de IronMan – todos dizem que só se consegue saber como é aquela sensação quando se passa por lá, então , o que sinto nestes momentos da natação também é assim, difícil descrever, somente quem sente é que pode dimensionar. Para muitos pode parecer apenas um  MiMiMi, como se costuma dizer para quem procura desculpas pelas suas fraquezas, mas para mim é muito mais que isso, é motivo de guerra, guerra que estou travando comigo mesmo para superar esta BARREIRA MENTAL.

A Prova de Guaratuba (20/09) – Etapa Insano (1500m x 40km x 10km)

Meus treinos não estavam adequados para tal volume, no entanto, esta seria minha única chance de experimentar a distância olímpica ainda este ano. Viagem de férias em novembro e período sem provas no final deste e início do próximo ano, me deixaram sem outra alternativa, ou era esta, ou somente após março de 2016 quando começa a nova temporada de provas.
 Acabei me inspirando na história de uma pessoa que ainda não conheço pessoalmente, mas já admiro, o Ricardo Furlan. Explico: eu costumo me cobrar bastante por bons resultados, em tudo. Fico sempre achando que tenho que ir além do máximo, não me permito aproveitar, curtir, então, como fazer uma prova em distância olímpica sem estar bem treinado para tal? Sem estar apto a brigar pelas primeiras posições dentro da minha categoria? Era algo que estava me segurando para fazer a inscrição na prova, então,  ao saber da história do Furlan no IronMan 70.3 deste ano em Foz, que fez a prova lesionado e ao invés de se lamentar esse cara foi lá e aproveitou, curtiu todo o percurso, fez self na transição, comeu e se hidratou sem pressa, fez amigos, FEZ SIMPLESMENTE O QUE PODERIA FAZER,  olhei para este exemplo e decidi fazer da mesma forma, sem pressão, apenas o que eu pudesse fazer e principalmente, aproveitar a brincadeira.
Tratei de procurar um parceiro para ir junto e dividir as despesas, fiz minha inscrição e parti na companhia do Marcus Macedo e Aline Bessa, aliás, excelentes e agradáveis companhias!    Chegamos a Guaratuba já perto das 21h e nos esperavam lá o Iduarte e o Chico Salvadori, amigos que conheci neste dia, com os quais passamos o final de semana hospedados na mesma casa e que se mostraram grandes camaradas (novas e boas amizades florescendo).

Novos amigos.

No sábado, véspera da prova, por sugestão dos mais experientes (Iduarte e Marcus) fomos nadar um pouco para ter um contato com mar local, que diga-se de passagem, não estava muito amigável. O tempo estava chuvoso, ventando bastante, a arrebentação começava longe da faixa de areia, as ondas estavam, digamos, um pouco agressivas, e assim entramos na água. Nossa experiência não durou mais que 5 ou 10 minutos. O mar estava revolto e eu me senti um graveto sendo jogado de um lado para outro, logo fiquei com a sensação de que não estava com a situação sob controle naquele momento e decidi sair da água, o que não foi assim tão fácil, e para ajudar, uma onda camarada quebrou exatamente sobre mim e levou meus óculos embora! Eu não me vi, mas sei que saí da água meio branco, meio trêmulo, meio assustado. Foi inevitável pensar que se o mar estivesse igual no domingo pela manhã eu não seria capaz de nadar, afinal de contas, nadar em águas calmas entre os demais competidores já é bastante difícil, imagina com o mar daquele jeito! Deste momento em diante, aquela sensação mais agradável de fazer a prova apenas para experimentar e curtir simplesmente sumiu, deu lugar a uma tensão bastante desagradável. A noite fomos ao congresso técnico onde comprei óculos novos e jantamos, aliás, o jantar não desceu muito bem, eu parecia ter  um nó no estômago. Voltamos para casa, arrumamos as tralhas, preparamos as bikes, conferimos os detalhes, separamos as roupas, e eu me sentia uma barata tonta, ia de um lado para outro pegar uma ou outra coisa e voltava sem nada, era  a Barreira Mental que estava agindo. A noite de sono não foi das melhores e por volta das 5hr levantamos e fomos tomar café. Neste momento eu só pensava em ver como estava o mar. O céu amanheceu limpo, não tinha vento e quando coloquei os olhos no mar foi aliviador. Estava muito mais calmo que no dia anterior e isso me tranquilizou bastante, não como eu gostaria, mas fiquei mais tranquilo. Fizemos o bike check in e fui para a areia assistir a largada da turma do Short que aconteceu 40min antes da nossa.  Minha esposa me enviou uma mensagem me incentivando a não me preocupar com o tempo, apenas cumprir o percurso e aproveitar a prova, então pensei: está tudo sob controle, mar normal, é só ir lá e nadar tranquilamente!

Tensão pré largada.

Cacete, não foi simples assim! Logo que o pessoal do Short começou a sair da água me dei conta do tempo que restava para minha largada e comecei a suar frio. Deu dor de barriga, um leve enjôo, boca seca e a medida que o tempo passava eu sentia o coração mais acelerado. Fechei minha roupa, vesti a touca, preparei os óculos e entrei na água para tentar relaxar. Nadei por alguns minutos na tentativa de soltar a musculatura que já estava enrijecida. O braço esquerdo mau conseguia esticar para fazer o movimento da braçada, caramba, pensei: será que vou amarelar de novo? Insisti, fui em direção as ondas, furei algumas como haviam me orientado o Marcus e o Iduarte, me soltei na água para sentir para onde a corrente estava puxando e depois nadei parte do trajeto até a primeira bóia, passando a arrebentação, e então voltei tentando encontrar a forma de aproveitar as ondas no retorno. Ok, rapidinho estava na areia novamente, relaxei um pouco mais e fiquei repetindo mentalmente:   você pode fazer isso, você já fez outras vezes e vai fazer novamente, é só se acalmar!

Momentos antes da largada

Fui para o pórtico de largada, já estavam todos lá, quase cheguei atrasado, Rssssss. Fui bem para trás e planejei deixar todos entrarem na água e definirem suas posições para depois eu encontrar uma trajetória o mais longe possível dos demais. A tensão aumentou novamente, a roupa pareceu ficar apertada repentinamente e começou a me sufocar. Felizmente, antes que tudo piorasse, foi dada a largada. Não corri, fui caminhando até a água e procurando um espaço vazio, difícil com outros 150 nadadores na água. Me afastei um pouco mais para a direita, pelo lado de fora e entrei na água com um único pensamento: VOCÊ VAI CONSEGUIR!

 Ondas engolidoras de óculos!


Passar a arrebentação não foi muito difícil, até chegar na primeira bóia não esbarrei em ninguém e contorna-la foi tranquilo, éramos poucos lá atrás. Segui no ritmo e comecei a me sentir mais calmo. Estava dando certo,  auto controle , eu estava me vencendo. O mar estava rápido e não demorou até chegar à segunda bóia, contornei tranquilamente, bem por fora para não entrar em confronto com os demais, e mirei o pórtico na praia, no ponto onde deveríamos sair do mar,  contornar uma outra bóia fora da água e retornar para uma segunda volta (seriam 2 voltas de 750m cada). Tudo correndo bem até que uma outra onda invocada me acertou em cheio novamente,  já perto da areia, quebrou forte sobre mim e adivinha: levou meus novos óculos embora mais uma vez. Eu não podia acreditar naquilo, estava tudo indo bem, só mais uma volta e cumprir o percurso, me sentia mais solto, a tensão tinha ido embora e eu estava quase me sentindo confortável. Olhei envolta e nada dos óculos, saí da água, procurei mas não vi ninguém conhecido  (tinha esperança de pedir os óculos de alguém, rsssss, desespero puro), olhei para o mar, todos que estavam atrás de mim na água já contornando a bóia e voltando para o mar. Eu precisava tomar uma decisão: ou iria sem os óculos ou nunca mais faria aquilo novamente. Falei para mim mesmo: é pegar ou largar meu amigo! E então, o instinto de encarar desafios falou mais alto e voltei para água, até com um certo ar de afronta, como quem é desafiado, vai para a briga e parte para cima. Entrei no mar, furei ondas, me atrapalhei todo até achar um jeito de respirar, tomei uns goles d´água e torci muito para que não houvesse nenhuma possibilidade de alguém ou um drone estar me filmando naquele momento, seriam imagens de filme de comédia, sem dúvida! Nadei estilo sei lá eu o que, cabeça fora da água bufando o tempo todo, literalmente brigando com a água, mas nadei, nadei até o fim e quando estava retornando para a praia, já no fim do percurso, ainda deu tempo de pensar: pode vir onda do c...., pode vir e quebrar sobre mim novamente que desta vez não me levará os óculos, kkkkkk.  Estava relaxado neste momento, já havia começado a curtir a minha prova.
 Fui para T1 numa boa, tirei a roupa, passei protetor solar (o sol já estava pegando forte) e ouvi a Aline e o Marcus gritarem meu nome – Vaaai Jeaaan!! Foi ótimo, me deu mais ânimo. Saí pela transição gritando para eles que havia perdido os óculos novamente, eufórico, me sentindo bem e pronto para o pedal. Fui o último da categoria Olímpico a sair da água, foram 32min13s (com a T1), depois de mim apenas um pequeno grupo de mulheres que estavam na prova da distância Insano (1500m x 60km x 10km), então, pedalar foi ótimo, passei muita gente. O percurso bastante plano e sem vento favoreceu um pedal rápido, foram 35km/hr de média, com 38km no total (2km a menos do que o previsto). Fiz o máximo que pude no pedal e cumpri o percurso com 1h04´49 (24º  tempo geral), um ótimo tempo para meu nível de treinamento. Em um percurso plano a cadência é mais constante, não se descansa, não há descidas para soltar, é pedal 100% do tempo. Passei pelo Iduarte perto do km 20 e ele estava sem água, havia perdido suas garrafinhas em um dos quebra molas (uns perdem óculos outros garrafinhas, kkkk). Dei a minha com isotônico  para ele, afinal ele teria 20km a mais do que eu,  e seguimos em frente, sempre próximos. Cheguei na T2 com a sensação de que minha corrida  seria muito boa, estava me sentindo inteiro. Consigo manter um pace 4min/km nas provas de Short, então, imaginei manter algo em torno de 4`25 / min nos 10 km, o que daria  aprox. 44min de corrida.  Fiz a T2 rapidamente, peguei um gel de carboidrato e saí acelerado!

T2 – da bike para a corrida

Não tenho GPS, marco  meu ritmo pela sensação do esforço (da para ter uma noção aproximada), e senti que iniciei muito bem, estava próximo ao pace imaginado, logo, era apenas correr minha melhor modalidade. Comi o gel, mas foi difícil, não desceu bem. Depois de uns 10 min senti que o calor começou a pegar. Já era perto das 10hr da manhã, sol a pino  e o calor aumentando. Segui em frente, peguei água no ponto de hidratação e não tomei, me refresquei. O percurso seria de duas voltas de 5km e segui firme no pace até fechar a primeira volta, quando o desgaste começou a pegar. O pedal havia sido forte e eu estava entrando em uma dimensão para mim desconhecida  no triathlon, minha corrida forte ia sempre até os 5km, depois diminuía ou parava, era para isso que eu estava treinando, agora teria ainda mais 5km pela frente. Passei pela área de transição completando os primeiros 5km e ali estavam novamente o Marcus e a Aline esperando para dar força, a Aline gritou: Força Jean e o Marcus esticou a mão para me cumprimentar, bati na mão dele com força, já não tinha mais total controle sobre os movimentos, não sei a dele, mas a minha mão doeu, Rssss
A segunda volta foi sofrida, cansei, diminuí consideravelmente o pace, mas era o que conseguia fazer, as pernas começaram a pesar, a noite mau dormida, a tensão do dia anterior e da pré largada, o nado atrapalhado sem óculos, a alimentação um pouco aquém do necessário começaram a fazer diferença. Segui em frente e tudo o que queria era um balde de água gelada na cabeça. Não tinha muita sede, apenas sentia muito calor e fadiga nas pernas. Senti que me arrrastei até o final mas ainda consegui dar um Sprint na chegada, não para melhorar o tempo, mas porque logo atrás de mim vinha um carinha bufando e percebi que ele me alcançaria correndo o risco de  chegar 5metros na minha frente e então me tiraria a chance de levar no peito a faixa da linha de chegada, sem falar que eu ficaria em segundo plano na foto, Rsss,. Acelerei e o deixei alguns metros atrás.

O tempo total está defasado porque conta desde a largada do Short, 40min antes.

Cruzei a linha de chegada com 2:24:52, 27º no geral. Minha corrida foi de 47min49s (com a T2), pace aprox.. 4`40 / km, abaixo do que eu gostaria, mas ainda assim o 9º melhor tempo no geral, o que mostra como foi difícil correr naquele calor.
 Ótimo resultado mesmo com os 2km a menos no pedal. Mas o melhor não foi o  tempo alcançado, o melhor foi o que aprendi com esta experiência.

Emoção

As Lições

Sempre podemos tirar aprendizados em quaisquer situações, talvez nas mais difíceis seja de onde tiramos os melhores/maiores. Bem, para mim foi bastante difícil dar aquela largada, foi difícil decidir continuar sem os óculos mas nada foi mais difícil do que  aceitar que eu tenho minhas Barreiras Mentais. Me sinto mais a vontade agora, aceito que as tenho, só NÃO ACEITO MAIS SER VENCIDO POR ELAS.
Sou um tanto individualista e não costumo partilhar emoções, muitas vezes  acreditei  não precisar de incentivos, do tipo - vou lá e faço o que eu quiser, na hora em que eu quiser,  sozinho mesmo.    INOCENTE!
Precisei ser trazido de volta ao Triathlon por insistência do Adriano, precisei me tornar parte do West Bikers Team para me motivar novamente, precisei receber aquela mensagem da minha esposa para entender que não precisa nada mais do simplesmente não desistir, e não sabia que os gritos de incentivo do Marcus e da Aline seriam tão importantes naquele dia.
Até escrever este relato foi um pouco difícil, não faz parte do meu ser. Quando o Adriano de Quadros me sugeriu faze-lo eu imediatamente relutei, mas depois pensei: por que não? Mais uma oportunidade de dar um passo a frente, fazer algo diferente e quem sabe incentivar outros que possam ter dificuldades  parecidas com as minhas. E está aí, nem doeu!! Rssssss

Novas Metas

Não parar, simples assim. A meta é não parar. Continuar respeitando os sinais do corpo e ir enfrente, um passo de cada vez, e quem sabe ter novas experiências  para compartilhar!




domingo, 27 de setembro de 2015

Iron Man 70.3 Itaipu - por Matheus Tonello

Era o quilômetro 40 do ciclismo, sol, vento e concreto como companhia. Mas, diferente do ano passado, estava me sentindo forte, firme nas pedaladas, cadência média constante em 80 rpm, média de velocidade em 32.8km/h, estava feliz e confiante - até que o inesperado aconteceu: em uma subida, fui passar para o "volantinho" e a corrente escapou; tentei voltar para o "volantão" mas não entrou, pedalei para trás e embolou tudo. Tive que parar!
Desci da bike e tentei colocar a corrente no lugar, não consegui. Puxei, tracionei, estiquei e não queria voltar. Estava presa no quadro, no freio. Tudo embolado. Virei a bicicleta com as rodas para cima e continuei tentando. Nada acontecia. Virei a bike de novo e o stress era grande. O tempo passando, outros ciclistas ultpassando e eu ali, preso em um monte de graxa e elos intermináveis de corrente numa engrenagem que eu não compreendia. Burro! Burro! Vai estudar! Como sou burro! Era o que eu pensava. Estraguei a prova! Então pedi a Deus, sem medo e sem pudor, que me ajudasse a sair daquela situação, meses e meses de dedicação se acabando por uma bobagem. Inacreditável! Olhei para a bike de novo e comecei a puxar a corrente meio que querendo arrebentar de vez: nada! Então olhei para a estrada de novo e vinha chutado ladeira acima alguém com o conhecido uniforme amarelo e preto. Num ato de desespero dei um passo para dentro da estrada, levantei os braços e gritei: ME AJUDA! ME AJUDA! E como se fosse um milagre: ele parou e me ajudou...e pensar que tudo isso começou com uma quase tragédia...


"É muito difícil você conseguir vencer numa boa. Pra vencer você tem que lutar, e essa luta muitas vezes significa se indispor de certa forma com algumas pessoas, pra prevalecer aquilo que você acredita. Teu ponto de vista, tua cabeça, a tua personalidade acima de tudo. E se você não lutar pra valer, você acaba perdendo teu próprio rumo. E se você perde o teu próprio caminho, você não é ninguém. Então, pra conseguir manter essa linha de conduta, você tem que lutar muito. E, muitas vezes, tem que brigar mesmo. Deus é forte, Ele é grande, e quando Ele quer, não tem quem não queira." (Ayrton Senna)

A Preparação

A prova de um IronMan não começa quando se ouve o tiro de largada da natação, ela começa muito antes, nos meses e meses de preparação do ciclo de treinamento. Tudo que aconteça nesse período, seja lesões, problemas pessoais ou profissionais, influenciará decisivamente no resultado da prova. Para esse retorno à famigerada usina de Itaipu eu tinha um objetivo claro, melhorar em 1 hora meu resultado do ano anterior. Nada podia dar errado. Nem vento, nem frio, nem lesões: nada me faria desistir.


Treino-simulado 1500, 60, 15 durante o pedal 7 graus

O meu Iron começou com uma quase tragédia. No dia 16/06 eu havia combinado um treino com Diego Bavaresco para o horário do almoço, mas ele me mandou uma mensagem dizendo que não poderia ir por conta de compromissos de trabalho. Disse que iria à tarde. Ok, fui, treinei forte e segui o dia normalmente. Quando mais tarde, recebo um telefonema do próprio Diego dizendo que tinha caído no treino (disse que estava bem) e que iria no hospital para avaliar o cotovelo. Ao ver as fotos que ele enviou, deu um nó na garganta: ele não estava bem. Estava todo machucado, com o rosto esfolado e o cotovelo muito inchado e com o antebraço rodado, certeza que tinha algo mais grave ali. De fato, fratura do cotovelo, fraturas em algumas costelas e alguns meses de gancho. O IronMan do Diego tinha acabado nesse momento. Era o que todos e até ele mesmo pensava!

Todo mundo ficou meio baqueado. Quando acontece um acidente como esse, a primeira coisa que vem em nossa mente é: poderia ter sido comigo! Eu me lembro de ter encontrado o Marucci após uma visita ao Diego no hospital e ao conversarmos o papo era o mesmo: que desânimo voltar a treinar. E foi difícil mesmo! No fim de semana eu tinha um treino de 60 + 16, onde já tinha combinado com Diego para treinarmos juntos, esse treino quase não saiu. Recordo que ao passar pelo local do acidente, deu até um frio na espinha. Nessas horas, em meio a esse turbilhão de sentimentos é que o cara se fortalece; ou desaba ou fortalece. Seguimos treinando.

Minha preparação foi muito boa. Do 70.3 Flórida até meados de maio, foi com volume bem reduzido e evitei stress físico desnecessário. Quando começou o ciclo para Foz estava inteiro. Os treinos foram encaixando, estava nadando melhor, mais forte na bike e a corrida mais consistente. A parte nutricional, principalmente no que diz respeito à suplementação ficou um pouco a desejar, já que a gente não consegue passar o ano todo tomando pó com água. Foquei mais na comida. Ganhei peso. No 70.3 Florida estava com 71kg cravados, e no de Foz estava com 72kg. Na musculação, fiz um intensivo com o Professor Marcus (da MM Assessoria Esportiva) e evitei treinar ciclismo indoor - era estrada - estrada - estrada.


Olímpico de Caiobá - Inverno (34.5km/h média no ciclismo)

No início de agosto fiz o Olimpico de Inverno da Triativa em Caiobá, onde obtive meu recorde pessoal na distância (2:28), com 34.5km/h no ciclismo e 47´ nos 10km. Achei o resultado muito bom, o que moralmente foi importante para finalizar os treinos para o Iron. Aí começaram as lesões. Comecei a sentir uma dor no joelho, onde foi diagnosticado uma leve tendinite suprapatelar. Essa lesão não ficou 100% curada até o Iron, mas consegui treinar, sem fazer intervalados, mas consegui treinar. Duas semanas antes da prova tive uma contratura na lombar, que me deixou uns 5 dias incapacitado. Tudo isso na reta final, depois que eu já estava confiante e sem lesões desde dezembro. Com massagem e acupuntura consegui voltar. Os últimos treinos foram muito bons e o último, uma semana antes da prova eu fiz com o veterano Bueno (50k +12k), onde trocamos expectativas e ansiedade em relação à prova. Nessa semana que antecedeu a prova, Bueno ficou sabendo de um agravamento de um problema de saúde da sua mãe e teve que desistir da prova e ir com urgência acompanha-la. Isso mostra que nossa obsessão pelo esporte tem limites. Não foi esse Iron, serão muitos outros Buenão.

Por fim, quero falar da recuperação Wolveriniana do Diego Bavaresco. Depois da cirurgia e de vários dias de repouso, foi autorizado a voltar a treinar. Começou de leve, pedalando, depois foi liberado para correr e por fim a nadar. Um dia, me perguntou o que eu achava dele tentar fazer o Iron mesmo assim, mesmo sem ter se recuperado totalmente. Eu fui radicalmente contra. Expus todos meus argumentos médicos e fraternos, mas o cabeça-dura não desistiu da ideia. O tempo foi passando, e do jeito malucão dele foi voltando aos treinos. Primeiro pegou a Speed para treinar, depois tentou a TT e viu que daria para fazer a prova e até com uma certa qualidade. Estava correndo bem, mas com pouca resistência ainda. A natação estava comprometida, mas nadando abaixo de 45 minutos já dava pra incomodar bastante gente. E não é que o cara conseguiu? Dois meses e meio depois de ter destruído o cotovelo o cara estava pronto para o IronMan 70.3 Itaipu. Claro que não estava no auge da forma física como no 70.3 Brasília, quando fez sub-5h, mas estava pronto para uma prova digna. E não é que essa decisão do cara, mesmo contra meus conselhos, mudaria a história da minha prova?

A Prova

Check In


Retirada do kit

Eu pessoalmente tenho um pouco de implicância com provas com logística complicada. Diga-se de passagem, essa de Foz é um prato cheio! O Bike Check in é na Sexta, porém como a natação é na usina e do lago paraguaio, não se tem acesso de carro; por isso temos que ir (com horário marcado) com os ônibus da organização até lá. São mais de 30 minutos de translado, com as bikes entre os bancos do ônibus e nós meio apertados. Sem contar que vimos ônibus quebrados no caminho. Tudo muito complicado e cansativo, lembrando que o descanso na véspera da prova é muito importante.






Chegando lá, levamos as bikes e as sacolas da T1 e T2 já com os devidos materiais. Outra coisa que não gosto. Na transição fomos autorizados a abrir o envolope que havia sido entregue pelo Cobo (Westbiker Senior) com orientação de só abrirmos no check in. Lá dentro tinha uma foto da família e uma cartinha de incentivo. Cada uma ganhou a sua, a minha foi escrita pelo grande amigo maratonista e triatleta Fabio Fonseca.


Arrumamos as bikes, fomos deixar as sacolas e colar as tatuagens com os números.



No detalhe de costas o amigo Marucci

No ponto de ônibus, eu e Marucci - no detalhe ao fundo um atleta retirando
 a bike do ônibus, muito ruim a logística

Fizemos isso e fomos para o ponto de ônibus, esperar a hora de voltar ao CV, onde seria realizado o congresso técnico. 


Eu e Dudu



Da esquerda para a direita: Adriano de Quadros, Marucci, Visioli e eu

Após o congresso técnico: Adriano de Quadros, Visioli, Furlan, Scotton, 
Marucci, Diego e eu

Terminado tudo, fomos para o hotel afim de jantar e dormir, pois a prova estava quase começando.

 

Adriano de Quadro, eu e Dudu no saguão do hotel - ansiedade

O Dia

No dia da prova, pegamos um ônibus até a represa no lado Paraguaio. Porém só tinha vaga na parte de cima do ônibus e estava frio pra caramba. O mais irônico é que depois na prova esquentou.



Amanhecer na transição 

Paraíso 

No ônibus: Diego, Marucci, Adriano, Eu e Visioli ao fundo - muito frio

Chegando lá, fizemos as últimas revisões na bike, fomos checar as sacolas e colocar a roupa de neoprene.


                                                 

Checando a bike 

Encontramos uma parte da torcida Westbiker que tinha surpresas para o Bueno e para a gente.


Irving, Fabio e Cobo no ônibus



Westbikers homenageando Bueno 

Natação


Nadar em lago tem uma vantagem em relação ao mar: geralmente apresentam águas bem calmas! Porém ali, no alto da represa de Itaipu, em um dia com fortes ventos, a água estava bem agitada. 





A largada foi dentro d´água, uma experiência nova, mas que é importante eu começar a me acostumar. O problema não é se manter flutuando, pois com uma boa técnica de palmateio e a roupa de borracha, nem dá para cansar muito; o problema é que a medida que você se posiciona e mais competidores começam a vir da margem, começa um empurra-empurra que por vezes é um pouco perigoso e se torna cansativo. Apesar de eu ser um nadador apenas mediano, não fico estressado na água e me sinto confiante nessa modalidade, mas se o competidor estiver inseguro, começando a pouco no esporte, minha sugestão é se posicionar bem atrás ou de preferencia ficar na borda esperando a hora da largada. Perde tempo, claro, mas numa prova de 6-7 horas esse tempo é irrelevante e pode evitar uma eventual desistência no meio da muvuca.





A largada foi dada por volta das 9:30 e a natação começou bem difícil, pois a forte correnteza era contra até a primeira boia, com ondas que me lembraram provas no mar. Aumentei muito a frequência de braçadas e tentei nadar em linha reta em direção à primeira boia - e ela parecia não chegar nunca! Depois de um tempo que pareceu uma eternidade, cheguei para contornar a boia e encontrei um grande congestionamento. Estava difícil contornar, pois a corrente jogava para cima da boia e percebi muita gente com dificuldade, inclusive uma nadadora que estava agarrada na boia pedindo ajuda. Fiz o contorno usando muita força e então comecei o trajeto até a segunda boia, em linha reta com a corrente lateral. Difícil, mas como a boia estava perto, chegou rápido; contornei com tranquilidade e desembestei a nadar muito rápido a favor da corrente, fazendo força nas pernas e nos braços, porém dentro de uma zona longe da estafa - precisava chegar inteiro ao pedal!  Só que na hora que eu cheguei perto da última boia, percebi que escolhi uma linha ruim, pois nadei aberto para a esquerda e era bem essa a diagonal da corrente, com isso a abordagem à boia favorecia quem vinha da direita. Depois desse contorno nadei o mais rápido possível até a margem, novamente com corrente lateral e desviei um pouco da rota, sendo necessário nadar um pouco para o lado para conseguir entrar no funil de saída da água.


T1

Saindo da água abrindo a roupa do Adriano



 Tricotando

Saí da água correndo muito rápido, pois me sentia bem, ultrapassei vário nadadores antes mesmo do tapete, até que percebi à minha frente o companheiro de treino e amigo Adriano de Quadros. Estava correndo atrás e percebi que ele estava enrolado com a roupa de borracha, o que o fazia andar - num lance de momento, puxei o ziper e abri a roupa dele, logo em seguido o ultrapassei e ele me ajudou com a minha. Bacana encontrar alguém da equipe nessa hora.
Quando cheguei aos staffs que ajudavam a tirar a roupa, não deu tão certo como no ano anterior, meu staff se enrolou e além de demorar para retirar a roupa de neoprene, ainda arrancou meu relógio junto. 
Livre da roupa, peguei o relógio e fui em direção à sacola da T1. Longa T1! Fiz o mais rápido que consegui e mesmo assim foram quase 5 minutos.




Essa foto é muito emblemática: Marcão, Aniele, Fabio, Cobo,
 Irving, Juninho.  Furlan fazendo a alegria da torcida na T1.


Havia planejado e era o objetivo real baixar em 1 hora o tempo do ano passado, e ano passado fiz para 6:51, portanto meu objetivo era terminar essa prova em 5:51. Só que essa prova é muito dura e o ciclismo muito técnico. Até instantes antes da prova não tinha certeza se conseguiria. Fazer uma natação boa e uma T1 rápida era muito importante. Pensava em algo em torno de 35´ na natação e uma T1 em 3:50. Mas não rolou, acabei por nadar em 37.49 e fazer a T1 em 4.52.



Saindo para o pedal

Ciclismo

Ao subir na bicicleta e iniciar as pedaladas eu sabia que esse dia ia ser sofrido. Mas Iron não é só sofrimento, você tem uma porrada de coisas legais e divertidas. A primeira foi quando numa descida, logo no início fui ultrapassado pelo Paulinho de Foz, ele falou algo que não ouvi e sumiu, logo em seguida veio uma subidinha e eu vi que ele estava girandinho, passei por ele e gritei: Força que o Diego tá chegando! Depois aplanou e o Paulinho me ultrapassou de novo e sumiu. O início da prova foi todo no lago paraguaio e achei muito legal. Eu estava fazendo uma força de 60% para não queimar as pernas logo no início pois sei que essa prova é de lascar. Teve um momento onde um cara me passou com uma bike igual a minha, ele bateu no quadro dele com um soquinho e fez um positivo amigável. Ele não estava tããão forte, mas não reagi, segui na minha toada. Passamos pela represa toda e a descemos, entrando num setor do circuito cheio de curvas fechadas e subidas e descidas, bem técnico mesmo. Fomos em direção ao retorno que passa ao lado da torcida (único local da prova com torcida). Nesse instante minha média estava em 33km/h - mas como o pessoal já havia dito, o importante era manter força constante e a cadência treinada e não se preocupar em tentar manter essa média mais alta, pois realmente o início da prova era mais tranquilo. Iniciei o caminho de volta, para subir a barragem novamente. É vento contra, com 3 subidas bem duras, mas curtas, e um falso plano em subida interminável.



Numa das curvinhas travadas 


 Numa das descidas

 Na represa: sol, calor e concreto

Um dos retornos com a torcida ao fundo 




Quando estava no km 40, iniciei uma dessas subidas e com o intuito de não forçar a musculatura antes mesmo da metade do ciclismo, resolvi descer para o "volantinho" e aconteceu o inesperado, a corrente enroscou no quadro, no freio. Já estava um tempão parado quando resolvi pedir ajuda e vi quando Diego vinha em minha direção, fazendo muita força. Ele parou, desceu da bike e perguntou o que havia acontecido. A corrente caiu, eu não consigo arrumar! - disse. Ele respondeu: Calma! Calma! Aquilo ali já me trouxe à realidade de que eu estava surtado. Pediu que eu puxasse a gancheira e rapidamente colocou a corrente no lugar. Parecia um milagre, minha bike estava pronta para o retorno à prova! Nesse momento reparei que a forma destrambelhada com que eu fiquei tentando arrumar tudo tinha causado um machucado na mão e agora a prova ser com o dedo sangrando mesmo. Quando levantei a bicicleta reparei que tinha uma moto dos fiscais da organização nos olhando. Para quem não sabe, é proibido pelo regulamento aceitar ajuda de qualquer pessoa que não seja da organização. Nesse momento, ele olhou, pensou e não puniu. Ufa! Acredito que ele tenha pensado que eu tinha caído ou ficou com dó do ciclista destrambelhado. Subi na bike e saí pedalando feito um louco represa acima.



 Perto do local do incidente


Enquanto pedalava, ultrapassando vários ciclistas que haviam acabado de me passar, vi como estava forte e determinado. Reparei que meu aerodrink estava vazio, pois a água virou toda, com o puxa daqui puxa dali com a bike. Sem problemas, em 5km teria um posto de hidratação, eram só 10 minutos. Enquanto voltava à normalidade dos pensamentos, comecei a pensar em tudo que estava acontecendo. Lembrei do acidente do Diego, dele determinado a fazer essa prova, parar para me ajudar. Lembrei de eu pedindo a Deus que alguma coisa acontecesse para eu sair daquela situação. Nada acontece por acaso e minhas crenças pessoais me permitem acreditar que foi Deus que compôs toda essa situação. Não era para o Diego estar ali. Se ele tivesse ouvido meus conselhos e a voz da razão, ele não teria participado dessa prova. Se ele tivesse uma recuperação mais lenta, não teria feito a prova. E se fosse eu? Será que eu teria parado? Você está fazendo sua prova, concentrado, focado, colocando em prática tudo aquilo que treinou e encontra um 
retardado parado, todo enroscado na corrente, será que eu pararia? Não sei. Não sei mesmo. Isso que é o pior de tudo. O que faz uma pessoa ter um ímpeto dessa natureza, sem pensar em mais nada saltar da bicicleta e ajudar alguém? Não parar, ao meu ver, não está errado. Inclusive é proibido por regulamento. Se fosse um cara estatelado no chão por um acidente, eu pararia sem pensar! Por problemas mecânicos, não sei. Não vou dizer que não pararia, simplesmente não sei.



Pensava essas coisas, na minha família, no Dudu, quando por fim Diego me passou e ainda ofereceu água para limpar o sangramento no dedo: o cara não existe! Ele passou e seguiu em frente. A partir daí, chorei várias vezes, pois atos de bondade e a presença marcante de Deus em uma situação são coisas que sempre me emocionam muito. Quando faltava perna, lembrava da minha família, quando tinha que fazer força, lembrava da carta do Fabio, quando pensava em desistir, lembrava do Cobo e suas dificuldades físicas e da galera torcendo pela gente. E assim o pedal foi transcorrendo, eu ultrapassando mais do que sendo ultrapassado, subindo, descendo, cuidando da nutrição e hidratação por causa do calor. Lá pelo km 80, estava com 31.6km/h de média e estávamos muito longe da T2, intuí que o trajeto teria um pouco a mais que 90km. Nesse momento ultrapassei o cara com a bike igual a minha, pagando o preço por ter forçado muito no início. Quando deu 90km, um cara encostou ao meu lado e perguntou: Deu 90km no seu? Respondi que sim, ali ele disse, Que bosta!  Por fim, cheguei na T2, com um pouquinho de caimbra na região do vasto medial, quando tentava pedalar em pé, com 97km e 3:03 (31.4 km/h de média - mesma média de Orlando em um circuito bem mais desafiador).


T2


Correndo na T2


Desci da bike, entreguei para um staff e saí correndo para a T2. Como deu 7km a mais, já considerava praticamente impossível encaixar um sub-6, pois o trajeto da corrida tem muita subida e o calor estava muito forte. Peguei a sacola, coloquei o tênis bem rápido e saí para correr. Na saída, comecei a procurar um banheiro e não achava, fiquei andando de um lado para o outro e não achei. Encontrei os Westbikers, gritei alguma coisa para eles e desisti do banheiro e saí correndo para a ultima perna desse desafio.


Fechei a T2 em 2:24


Corrida


Já comentei isso em posts anteriores, mas gosto sempre de ressaltar, a corrida de um meio iron ou de um iron completo é outro esporte. Pode reparar até na forma como os profissionais correm, não é a mesma coisa que corrida de rua. Pensando no amador médio, não sobra pernas depois de pedalar 90km, seja forte ou seja fraco. Um exemplo, muitas pessoas que eu acompanho, que são atletas medianos, não conseguem correr abaixo de 2 horas os 21km no 70.3 - e olha que a maioria são excelentes corredores, alguns com meia maratona próximo a 1:30. Meu melhor tempo em meia maratona foi 1:41, na minha estreia, depois fiz duas vezes 1:42 em circuitos com altimetria difícil e duas acima de 1:45, uma onde quebrei e outra onde fui pra brincar, estava completamente fora de forma. Tenho um sonho de correr abaixo de 2h no meio iron e vou me esforçar muito para isso acontecer.




Brincando com a torcida

Quando comecei a corrida, já fui ultrapassado por um corredor que visivelmente me atropelou, isso que saí em um pace de 5:10. Tinha um pessoal de Foz que gritou: Vai Cascavel, pega ele! Aí eu brinquei fazendo de conta que tinha amarrado uma corda para o cara puxar. Logo em seguida veio o Irving, que estava assistindo a prova, com banana, água e ofereceu, mas resolvi não aceitar com medo que alguém da organização visse e viesse uma punição.

                                                     

             Iniciando os trabalhos

Minha estratégia era para tentar o sub-2h. O pace para o sub-2h é 5:41, mas é bom correr em torno de 5:35 pois a gente sempre acaba correndo uns metros a mais. Como eu conhecia bem o trajeto, conhecia bem o calor e o sol de Foz, minha estratégia foi me conter nos primeiros kms, já que o inicio até o km 3 é quase só descida, muita gente se empolga. Passei o primeiro km em 5:26, folgado, me sentindo bem e o segundo em 5:33 e o terceiro em 5:48 pois pega já um pouco de subida. A partir daqui, é uma montanha russa, um sobe e desce constante. Como estava muito quente, levei uma garrafinha pequena com 100ml, que cabe no bolso e decidi como planejamento, parar em todos os postos de hidratação, beber dois a três copos de água e encher a garrafinha. Perde um pouco de tempo, mas baixa a frequencia cardíaca e garante água nos intervalos dos postos.



 Agora focado nos objetivos

Eu já comentei com os conhecidos, a prova que eu fiz em Orlando tinha 1 posto de hidratação a cada milha (1.6km), como são 13 milhas, são 12 postos, como em foz são 6.5 milhas para ir e volta-se pelo mesmo caminho, poderia ter 6 postos montados no trajeto, que permitira hidratação a cada 1.6km, que eu acharia perfeito. Mas nessa prova tinha 2.5 a 3km de distancia entre os postos. Achei ruim e percebi muita gente passando mal por isso.


                                                               

Passei o km 4 em 5:45, o 5 em 5:51, o 6 em 5:40, no 7 em 5:53 e entre o 7 e o 8 eu percebi que a vaca tinha ido para o brejo. Eu fiz muita força para manter, num trecho plano, o pace de 5:53, muito parecido com o que aconteceu em Orlando. E olha que eu estava muito mais treinado. Treinei em uma altimetria bizarra, geralmente em horário de muito calor em Cascavel e nenhum treino tinha finalizado com pace pior que 5:30. Mas estava no km 7,5 e já estava em crise. Nesse momento decidi reduzir voluntariamente o pace para 6min/km para por fim conseguir um dos objetivos que era não andar (a não ser nos postos de hidratação para comer e encher a garrafinha). Eu estava prestes a quebrar e ainda tinha a subida do km 12 e a temida do km 18. Passei o 8 em 6:04 e o 9 em 6:20 - quando decide-se reduzir voluntariamente o pace, muitas vezes a gente se perde mentalmente, aí pode acontecer de errar no ritmo e passar da conta, foi o que aconteceu nesse momento. O km 10 é todo em decida e plano e eu passei em 5:53 (poderia ter feito uma forcinha ali). 


                                         

Nessa descida, encontrei o Visioli subindo no sentido contrario, parecia cansado mas vinha forte, encontrei o Diego iniciando a subida, parecia bem, encontrei o Marucci muito próximo ao retorno. Fiz o retorno e ainda brinquei com o fiscal: Agora é só subir! - continuei correndo e vi que vinha atrás o Adriano de Quadro cuspindo fogo de tanta força que estava fazendo. Pensei, já já me passa, era outro pace, outra realidade de corrida. Fechei o km 11 em 5:53 - correndo praticamente no plano. Então começou a subida que ia da metade do 12 até quase o 14. Nesse momento fui ultrapassado pelo Adriano, que até tentou ficar comigo, mas orientei que seguisse porque a coisa estava feia. Reparei que estava sem um gel de carboidrato, gritei pro Adriano se ele tinha sobrando, prontamente me entregou um e seguiu em disparada rumo à glória. Fechei o 12 em 6:13 e a subida piorou. Fechei o 13 em 6:31 e no posto de hidratação encontrei o Iduarte batendo papo com os staffs; um pouco a frente encontrei o Scotton correndo muito bem e gritei para ele pegar o Iduarte, rsrs. O 14 e o 15 fechei em 6:17. Já perto do posto de hidratação encostei no Marucci, que estava preocupado pois estava sem sal. Chegamos ao posto de hidratação, pegamos sal, laranja, banana e muita água. Dali até o 18 eu lembro de pouca coisa, não se se pela estafa física e mental, ou simplesmente porque não aconteceu nada significativo. Encontrei o Furlan, mas não lembro a que altura da corrida. 


                                             

Então começou a subida maldita. Ela não tem fim. Ninguém tem mais perna e a subida não acaba. Foi um dos poucos locais da prova onde ultrapassei pessoas andando. Tinha um cara parado, com a mão na cintura com cara de pra onde vou? Tinha gente correndo e andando, outros andando bem devagar. Pessoas passando mal, aparentemente com desidratação e eu ali, correndo, sem andar. Vou subir isso aqui sem andar, mesmo que o ritmo caia - pensei. No final dessa subida eu sabia que tinha um posto de hidratação. 


Aqui mais um adendo. Na prova do ano passado, eu estava quebrado, andando, desde o km 9. Mas ainda conseguia correr um pouquinho. Nessa subida, eu nem conseguia andar, fazia força mental para puxar uma perna, depois a outra e assim por diante. Quando cheguei no posto de hidratação, veio uma staff correndo, querendo me segurar, perguntando se eu queria alguma coisa, água, coca, sal ou uma ambulância. Lembro que sentei e achei que ia desmaiar. Foi um dos piores momentos da minha vida no esporte, tão difícil que essa prova não tem nem relato, somente agora tenho coragem até de relembrar.


Esse ano, a subida que causou tantos pesadelos não parecia tão longa como outrora, mas era dura mesmo assim, subi ela correndo, e ao chegar ao posto de hidratação, com espírito vencedor, peguei uma água e segui em frente. Fechei o 18 em 6:05 e o 19 em 7:15. A partir dali é um falso plano e no final um planão até a chegada. No 19.5, estava correndo relativamente bem e já estava feliz, achava pouco provável o sub-6h, mas o pedal tinha 7km a mais; dava pra descontar. Então vi o Diego parado ao lado da estrada. Juro que pensei que ele estava esperando para chegar junto. Delírio. Passei por ele e perguntei o que estava acontecendo, ele gritou: tô com câimbras, pode ir. Perguntei novamente se ele precisava de ajuda, ele disse que não e mandou seguir. 



No Funil de Chegada

Na reta antes da curva da chegada, sob um sol escaldante e uma alegria enebriante, encontrei Fabio, Cobo e Irving e alguém (acho que foi o Irving) gritou: Vai lá sub-6h. Achei que era zoeira, mas nem me importei, fiz high-5 com a galera e contornei a curva da chegada. E lá no pórtico estava o tempo, marcando 5:57. Não consegui baixar em 1 hora o tempo do ano anterior, mas como esse ano teve 7km a mais na bike (a 31.5 de média dá mais ou menos uns 11-12 minutos), pode-se dizer que o objetivo foi atingido. 

Comecei a procurar a Carol e o Dudu, decidi que ia passar a chegada com o Dudu no colo, mesmo sabendo que seria desclassificado (pelas regras do iron man, para evitar bagunça, é proibido ultrapassar a chegada com acompanhantes, você recebe a medalha, mas é desclassificado do resultado geral). Não os encontrei, entrei próximo ao pórtico e dei um pulo com soco no ar estilo Pelé. Era muita alegria. Que prova! Que história!



Soco no ar no melhor estilo Pelé - devaneios de felicidade



Depois do pulo - ufa, não caí



Havia finalizado a corrida em 2:08 (mesmo tempo de Orlando) e o geral em 5:57.

Dispersão


Quem nunca participou de uma prova de Iron ou de 70.3 não faz ideia do que é a dispersão dessa prova. Quando passei pelo pórtico veio uma staff perguntar se estava tudo bem, respondi: MUITO MUITO BEM e cumprimentei mais uns dois staffs, todos muito animados, pois a euforia dos concluintes é fantástica. Passei pelo posto médico e nem dei bola. Na tenda de massagens geralmente as filas são intermináveis, a não ser que você seja um dos privilegiados que fizeram sub-5. Fui em direção à tenda com comida. Teve um macarrão gostoso que não consegui comer e logo a Hitomi (esposa do Adriano) me viu pela grade e apontou para o monstro (Adriano) deitado num gramado. Fui lá, cumprimentei-o e sentei ali, esperando o pessoal, a Carol e o Dudu. O pessoal foi chegando, todo mundo feliz e destruído. Fiquei sabendo que o Adriano Visioli estava na tenda médica, com leve desidratação (depois ele contou que tinha corredores até no chão tomando soro) - lado negro da prova.




Muita emoção ao encontrar os amigos: na foto abraçado ao 
Cobo, nossa inspiração

Encontrei o Cobo, dei um longo abraço apertado de felicidade e choro copioso impossível de conter. Depois o pessoal que veio prestigiar e torcer pela gente foi chegando, Irving, Anielle, Juninho, Aline, Marcão, Fabio e as esposas todas ficaram ali, confraternizando e nos emocionando cada vez mais.

Então chegou a Carol e o Dudu, que não viram minha chegada, mas fizeram parte importante de tudo isso.


Com a minha família: Dudu, o papai conseguiu de novo

Eu não sei exatamente o que nos move, não sei qual tipo de ímpeto nos faz sair da cama para treinar, conter-se na alimentação, abdicar de dormir tarde para treinar no dia seguinte. Não sei porque praticamos esse esporte duro, ainda mais enfrentando longas distâncias. Saúde? Prazer? Desafio?


Ser capaz de nadar, pedalar e correr longas distâncias me deixa mais calmo, mais focado, mais próximo de Deus. O Triathlon me deixa mais saudável, me faz sentir uma pessoa melhor.




Homenagem aos Westbikers que concluíram a prova


 Na foto Scotton correndo ao lado do amigo Iduarte.
Scotton concluiu seu primeiro 70.3 em 6:28


Na foto Diego Bavaresco, concluiu seu terceiro 70.3 em 5:58, 2 meses e meio depois de ter sofrido um grave acidente, onde fraturou o cotovelo e algumas costelas. 


O amigo Adriano de Quadros, completou seu primeiro IronMan em 5:53. Grande parceiro de treinos, apresentou forte evolução no último ano. 


Marucci, completou seu segundo 70.3 em 6:07. Puxou muito pelotão nos treinos de bike pela rodovia do espigão, muito da minha evolução na bike é "culpa" dele. 


Adriano Visioli, completou seu primeiro 70.3 em 5:17. Deu a volta por cima depois de ter abandonado o 70.3 Foz ano passado devido a uma grave lesão no joelho. 


 Ricardo Furlan, completou seu segundo Iron Man e quarto Long Distance em 7:43. Resiliência é a palavra que melhor o define. Enfrentou essa prova com uma grave lesão no joelho. Força amigão!



Por fim, Lorival Barbosa (Cachopa), completou a prova em 5:41 e conquistou o terceiro lugar na categoria 55-59. Apesar do penalti box de 4´. Esse cara é forte! Orgulho de tê-lo em nosso time!