Em dezembro relatei aqui minha
experiência em uma prova de triathlon realizada em Caiobá, onde eu contava da
superação ao enfrentar minha ansiedade na primeira prova com natação no mar.
Naquela mesma ocasião tive
acesso a um panfleto que anunciava a realização de uma prova de Longa Distância
(1.9km nat/90km bike/21km run) no mês de Abril de 2015. Embora chamasse atenção
pela qualidade e beleza do material publicitário, enfrentar uma prova desta
envergadura com meu pouco currículo no esporte não me parecia uma opção física mentalmente
sadia naquele momento. O próprio nome da prova já alertava – Triathlon Hard
Caiobá – ou seja, o mínimo que se poderia esperar é que se enfrentaria uma
prova muito dura, mesmo aos experientes e preparados.
Acontece que eu já havia
assinado meu atestado de insanidade ao me inscrever para o Ironman 70.3, que
tem data marcada para 29 de Agosto de 2015, de forma que fazer esta prova de
Caiobá, me soava como uma preparação e experiência para não chegar em Foz com a
incerteza do desconhecido, e a ideia de enfrentar esse desafio não me saía da
cabeça.
Comecei então no final de
dezembro a treinar com o acompanhamento de um profissional que elabora meus
treinos de natação, bike, corrida e musculação. De maneira mais estruturada os
volumes de treino foram aumentando e então, no final de fevereiro, decidi me
inscrever para o Long Distance de Caiobá, com o objetivo exclusivamente de
experimentar a prova e sentir como o corpo reagiria, testar a alimentação e a
hidratação, sem qualquer compromisso com tempo ou resultados.
As distâncias por si só já
assustam, pois isoladamente, raramente eu atingia esses volumes nos treinos, ou
seja, as distâncias que eu teria que enfrentar nas 3 modalidades, num mesmo
dia, uma após a outra e sem descanso, eram superiores ao que eu costumava
treinar diariamente.
Nos treinos de natação,
normalmente chegava a 1600/1800 metros, e na prova teria que nadar 1900 metros.
Nos treinos de ciclismo, atingia a distância de 60 a 80 Km num longo de final
de semana, e na prova, após nadar, teria que pedalar 90 Km. E nos treinos de
corrida, chegava a 14/16 Km nos longões de domingo, e na prova, após nadar os
1900, pedalar os 90km, teria ainda que correr a meia maratona, fechando os
21km.
O trabalho mental seria
fundamental, no sentido de manter o foco durante a prova, consciente de que
serviria de laboratório, para não deixar a empolgação aflorar principalmente no
ciclismo, administrando a energia, que deveria sobrar para a corrida.
Isso me ajudou a controlar a
ansiedade, pois estava ciente de que pra mim seria um “treino de luxo” em
caiobá, com direito a medalha de finisher, caso tudo corresse bem e concluísse
a prova.
Chegado o dia, 5hs da manhã,
hora de levantar e levar a bike e demais equipamentos para o check-in. Eu
procurei monitorar meu estado de ansiedade e percebi que estava relativamente
tranquilo. Saber que poderia fazer a prova num ritmo menos acelerado me dava uma
certa tranquilidade. Consegui voltar ao apartamento, que ficava ao lado de onde
a prova seria realizada, tomei café com calma, pois a largada seria somente as
7hs.
As 6:30 estávamos todos os “pinguins”
já na areia, com suas roupas de borracha, toucas e óculos.
Não sei se era porque eu
realmente não estava ansioso, mas rapidamente foi dada a largada, dei o start
no garmin e fomos correndo para a água. O volume de atletas que largaram juntos
assustava, mais de 400 ao mesmo tempo entrando na água. Mas eu sabia que aquilo
também servia de experiência para o Iron de Foz, pois lá serão mais que o
dobro.
Até a primeira boia que
estava uns 300 metros de distancia da areia, esbarrões e braçadas foram
constantes, mas depois todos se espalharam e no máximo emparelhava com outro
atleta não mais que 1 metro de distancia.
Procurei manter um ritmo
confortável, pois não só a prova como um todo era novidade, como também a
natação naquela distancia. Mas depois da metade do percurso, me senti muito
bem, forçando um pouco mais o ritmo no final, terminando a etapa com
39min45seg, tempo que me surpreendeu, pois tinha uma previsão em torno de 40 a
45 min.
Saí da natação muito
satisfeito e fui até a área de transição, tinha programado um tempo em torno de
5 minutos para a primeira transição, entre sair da água e chegar até a bike,
tirar a roupa de borracha, comer uma barra de cereal, tomar uns goles de suco,
que já havia deixado tudo separado ao lado da bike, vestir o capacete, óculos,
meias e sapatilha e pegar a bike. Tudo isso feito com calma levou 4min35seg.
Iniciado o percurso da bike,
saí com tranquilidade também, teria muitos Kms pela frente, e o objetivo não
era velocidade. Como o percurso é bastante plano, é natural que se sinta mais a
vontade para forçar no pedal e ganhar velocidade, mas mantive o foco o tempo
todo, mantendo o pedal num ritmo constante, que ficou no final em torno de
32km/h, sem que sentisse que tinha forçado as pernas.
A cada 20km era a hora da
alimentação, com um sache de gel de carboidrato e bastante água. Água e
isotônico o tempo todo, segui a programação à risca, não tive fome ou sede,
fechando 91km do pedal com 2:50min (foi informado no congresso técnico no dia
anterior que o trecho do pedal teria 1km a mais, para que se aproveitasse uma
área de escape na estrada como retorno, facilitando a curva para as bikes).
A beleza do percurso foi
algo que não me passou despercebida, até então a prova tinha sido puro deleite,
verdadeiro passeio na praia.... mal sabia o que me aguardava....
Terminado o trajeto da bike,
também com calma e tempo já estimado de transição em torno de 4 min, poderia me
alimentar tomando suco e um pão com mel e pasta de amendoim que deixei
embalado. Depois disso, calçar o tênis, viseira, óculos, protetor solar nos
ombros, numero de peito e partir para corrida. Tempo da T2: 3min05seg.
Pretendia firmar um ritmo na
corrida entre 5min/km a 5:30min/km, essa era minha expectativa otimista em
relação à prova.
Saí para o primeiro km no
ritmo 4:50/km, percebi que não seria prudente, reduzi para 5:10/km. Nos
primeiros dois kms a dor nos músculos das coxas por conta do ácido lático era
bastante forte, mas sabia que logo passaria, e consegui manter até o Km 10,
relativamente confortável, subindo o ritmo aos poucos.
A partir daí, o pace foi
aumentando cada vez mais, parecia que tinha algo me segurando. Mantive a
alimentação programada com o gel, bastante isotônico e água.
Do km 14 ao 18 tive a dor
mais insuportável que já experimentei num treino ou prova. Ela começou embaixo
das costelas e foi irradiando para as costas. Foi rapidamente aumentando a
intensidade a ponto de não conseguir respirar direito. Tive que caminhar. Nesse
momento, pensei, puxa, arruinei minha corrida!! Mas rapidamente pensava que
aquilo era aprendizado, experiência, laboratório, lembra!? Sentia que meus
batimentos não estavam altos, sentia que as pernas aguentavam, mas a dor nas
costas me derrubava.
Imaginei que seria pelo
longo período sobre a bike na posição clipado. Mas na verdade foi a soma de
vários fatores, o tempo, o desgaste da prova, o calor com sol à pino, a reação
do corpo à uma experiência nova e também a necessidade de mais treinos e condicionamento
muscular.
Eu caminhava alguns metros,
a dor sumia e eu voltava a correr. Desistir sequer passou pela minha cabeça,
estava mentalmente preparado para enfrentar o fato de que se precisasse
terminar a prova caminhando, assim seria.
Mas este pouco tempo de
triathlon tem me ensinado um pouco sobre enfrentar dores. Elas são assim,
aparecem do nada, parece que vão te derrubar, mas você persiste, e persiste, e
persiste, e suporta, e de repente ela some. Do nada, simplesmente some. E foi
assim, no KM 18, onde havia um posto de hidratação, tomei água e isotônico até
me empapuçar, e segui correndo, e então as dores sumiram por completo, consegui
até forçar um pouco o ritmo, concluindo a prova com o tempo total de 5 horas e
45 minutos.
Apesar desta prova não ter
tido pra mim um enfoque de competição ou evento propriamente, pois o tempo todo
foi pensada como um teste preparatório para o Iron, a emoção de receber a
medalha ao cruzar a linha de chegada é algo inigualável, principalmente depois
de ter enfrentado, suportado e superado tantas dores.
Valeu a experiência, valeu o
aprendizado, à cada batalha saímos mais fortes. Os ganhos em termos de
autoconfiança são grandiosos. Dificuldades se tornam pequenas, problemas se
tornam menos importantes. Somos muito mais fortes do que imaginamos. Nossos limites
estão em nossas cabeças, e na maioria das vezes eles não existem. O laboratório
de experiência física onde se coloca o corpo no limite da dor, transcende. É
mais que isso, muito mais, é indescritível, não posso traduzir em palavras,
somente quem passa pela experiência pode entender o que estou falando.
Por isso quando me perguntam
o que eu ganho com isso, eu digo: eu ganho muito mais que medalhas...